Em novo ato em defesa do HU, entidades denunciam problemas estruturais, queda nos atendimentos, déficit de pessoal e total descaso da Reitoria
Indignação contra descaso da Reitoria mobilizou categorias e população do Butantã (foto: Daniel Garcia)

Um ato público realizado nesta quarta-feira (1/3) em frente ao Hospital Universitário (HU) da USP reafirmou a importância da luta pela recuperação plena do hospital, cujo desmonte teve início na gestão M.A.Zago-V.Agopyan, a partir de 2014, e se manteve nas gestões reitorais seguintes.

A manifestação foi organizada pela Adusp, Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, além de movimentos como o Coletivo Butantã na Luta e outras organizações estudantis.

A(o)s participantes reforçaram as denúncias sobre a falta de reformas estruturais no HU, o que vem agravando problemas como queda de energia elétrica e falta de água quente. Vídeos feitos por servidora(e)s mostram a água das chuvas caindo de forros e luminárias e invadindo corredores e salas de atendimento. Confira nos vídeos abaixo.

Desde a edição do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), em 2015, o HU perdeu mais de 20% de seu quadro de pessoal – eram 1.853 funcionária(o)s em 2013 contra 1.433 (incluindo temporários) em 2021, de acordo com dados do Anuário Estatístico da USP. Em consequência, o número de atendimentos, considerando consultas, cirurgias etc., também caiu sensivelmente: de cerca de 17 mil por mês antes do desmonte para 4 mil na atualidade.

“Quem perde com essa situação? Os funcionários, que trabalham muito mais, mas também a comunidade USP e a população, por não ter mais esse atendimento”, afirmou no ato Rosane Vieira, técnica de enfermagem do HU e diretora do Sintusp.

A precarização das condições de trabalho e a não reposição de pessoal leva à sobrecarga para a(o)s profissionais, apontou Barbara Della Torre, também servidora do HU e representante da(o)s servidora(e)s técnico-administrativa(o)s no Conselho Universitário (Co).

Reitoria ignora princípio da gestão democrática

A presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, ressaltou que a criação do HU foi uma conquista de movimentos populares no início dos anos 1980, antes portanto da concepção do Sistema Único de Saúde (SUS), adotado partir da Constituição Federal de 1988.

“O HU não é só um hospital, é uma unidade de ensino, pesquisa e extensão da USP e como tal tem que ser defendido por toda a nossa comunidade”, afirmou, conclamando entidades e movimentos a se manterem em luta pela recuperação do hospital.

Michele lembrou que o desmonte foi iniciado na gestão de um médico, o ex-reitor M. A. Zago, atualmente presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“Um médico com uma perspectiva privatista e neoliberal vem destruir um equipamento público voltado para uma comunidade de 600 mil pessoas. O que estamos denunciando é um projeto da Reitoria de sucatear o nosso HU para justificar a privatização, numa lógica absolutamente equivocada de que o que é privado é melhor do que o que é público, o que não é verdade”, afirmou. “Saúde e educação não são produtos a serem mercantilizados, são direitos de todas, todos e todes. Não têm que ser vendidos nem deslocados para grandes conglomerados.”

A presidenta da Adusp enfatizou ainda que os ataques ao hospital continuam ocorrendo ao mesmo tempo que a Reitoria oferece um programa para subsidiar planos de saúde privados para a comunidade da USP. “Ao invés de investir nos equipamentos de saúde que guardam relação com a universidade, a Reitoria apresenta um projeto de transferência de fundo público para o setor privado”, criticou.

A professora afirmou que a Reitoria da USP ignora um princípio fundamental do SUS, que é a participação popular na gestão. “Esta Reitoria que faz ato na Faculdade de Direito em defesa da democracia tem que entender que democracia é garantir saúde pública de qualidade para toda a população independentemente de classe, raça, gênero, cor e orientação sexual”, ressaltou.

Contratações por concurso público não cobrem sequer a saída dos temporários

Lester Amaral Junior, da coordenação do Coletivo Butantã na Luta, também criticou a postura da Reitoria de privilegiar o mercado dos planos de saúde e de destinar R$ 217 milhões em recursos próprios da USP para hospitais geridos por organizações privadas, como os Hospitais das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP) e de Ribeirão Preto (HC-FMRP).

“Não dá para admitir que a maior universidade do Brasil, que hoje aporta recursos até para organizações sociais, não olhe para o HU para valer”, criticou. “O HU é fundamental para a comunidade. É o mais importante equipamento de saúde para 600 mil pessoas da região.”

Amaral lembrou que as contratações anunciadas pela Reitoria para o HU – em 2022 foram 62, entre entre médica(o)s, enfermeira(o)s e técnica(o)s de enfermagem – não cobrem nem a(o)s profissionais temporária(o)s que terão seu vínculo encerrado até abril deste ano.

Em janeiro de 2022, o Conselho Deliberativo do HU enviou a Reitoria uma proposta de contratação de 509 profissionais para dar início ao processo de recuperação do hospital.

Em reunião com representantes da comunidade do Butantã também em janeiro de 2022, dias antes de tomar posse como reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior prometeu que em sua gestão haveria contratações “para fazer uma recuperação razoável do HU”, mas não se comprometeu com números.

Lester Amaral ressaltou ainda que a formação de centenas de aluna(o)s de dez carreiras de saúde da USP é prejudicada pela queda no número de atendimentos e pelos problemas estruturais do hospital. “É fundamental que os centros acadêmicos da área da saúde estejam conosco nessa luta”, conclamou.

Desmonte é escolha política e não questão orçamentária, denunciam entidades

Reinaldo Souza, diretor do Sintusp, enfatizou que a Reitoria alegava a “crise financeira” na USP como justicativa para o desmonte do HU. “Essa justificativa não existe mais. A Reitoria fez caixa com o sucateamento da universidade e as saídas de pessoal não repostas”, afirmou.

“Não é um problema de dinheiro: é a escolha de uma perspectiva privatista, de uma lógica privatista, e inclusive pode haver conflito de interesses de parte da burocraria universitária”, disse Souza, referindo-se ao fato de que o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior já presidiu o Conselho de Curadores e Administração da Faepa, entidade privada que atua na gestão do HC-FMRP e que também foi escolhida para gerir o novo Hospital das Clínicas de Bauru, que incorporou o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC).

“A questão não é financeira, mas é uma decisão política de acabar com a extensão e a prestação de serviços à sociedade que sustenta a universidade”, reforçou Mario Balanco, da coordenação do Coletivo Butantã na Luta. Balanco apontou que o comprometimento da USP com a folha de pagamento está abaixo de 70% na atualidade, o que atesta a situação de folga orçamentária da universidade.

Santana Silva, integrante da Assembleia Popular de Saúde da Zona Oeste e da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, chamou a atenção para o fato de que o desmonte é parte da tentativa de privatização do HU. Ao final de sua fala, dirigiu-se aos e às servidore(a)s do HU: “Se chover, procurem abrigo fora, porque dentro do hospital chove mais”.

A mobilização em defesa do HU terá sequência com uma audiência pública na Assembleia Legislativa ainda no mês de março e um ato no Dia Mundial da Saúde (7/4), entre outras ações.

Número de leitos e de cirurgias caiu 40% – “hospital não funciona sem gente”, diz diretor clínico

“A situação do HU está muito ruim”, confirmou o pediatra João Paulo Becker Lotufo, diretor clínico do hospital, em entrevista ao Informativo Adusp. “Nós somos um hospital-escola que está abandonado. Ainda funciona graças à equipe que está aqui e que se mata de trabalhar.”

A falta de pessoal é o problema central, aponta o médico. Com o déficit de 500 profissionais, o HU viu seu número de leitos ativos cair em quase 40%: eram 233 em 2013 contra cerca de 145 leitos ativos na atualidade. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da pediatria tinha 16 vagas, mas atualmente tem apenas seis, e a unidade semi-intensiva que o hospital possuía foi desativada.

“O hospital não funciona sem gente. Recentemente, na pediatria, a gente teve que cobrir os plantões sem remuneração para não fechar o Pronto-Socorro”, revela.

O número de cirurgias também caiu vertiginosamente. Em 2013, o centro cirúrgico realizou 4.179 procedimentos. Em 2021, foram 2.587 – quase 40% a menos. Das dez salas de cirurgia que o hospital possui, apenas duas estão em funcionamento.

Os reflexos dos problemas estão em toda parte e, como exemplo das consequências numa das principais vocações do hospital, a formação de recursos humanos, Lotufo cita a dificuldade da(o)s aluna(o)s de cirurgia que querem fazer operações. “Eles não conseguem porque não tem sala, não tem anestesista, não tem enfermagem etc.” Outros setores, como laboratórios e diagnóstico, também sofrem com falta de pessoal. “Tivemos o caso de um paciente de cirurgia eletiva que precisou voltar quatro vezes até conseguir ser operado”, relata.

“Somos um hospital-escola, mas a qualidade vai caindo”, lamenta o médico. “Não dá para entender a falta de empenho da Reitoria em relação a um dos melhores hospitais-escola do país, e que agora com certeza não é mais.”

Assim como a(o)s representantes das entidades fizeram no ato de quarta-feira, Lotufo também cita os problemas estruturais das instalações e a deterioração do maquinário como questões graves do cotidiano do HU.

Outro alvo das críticas do médico é a criação do auxílio-saúde destinado a subsidiar planos privados para servidora(e)s da universidade. Na sua avaliação, esses recursos deveriam ser injetados no HU para permitir a sua recuperação plena. Além disso, a(o)s aposentada(o)s não terão direito ao subsídio, o que causa revolta a essa(e)s servidora(e)s.

“Pergunto qual é a saída: fazer seguro médico para os funcionários ou colocar o que já está construído para funcionar na sua plenitude?”, questiona.
“O hospital ainda tem muito para dar. Mais de 90% da(o)s pacientes avaliam os serviços do HU como ótimos ou bons, apesar de todas as dificuldades”, afirma. “O problema são os que não conseguem entrar no sistema, não conseguem marcar consulta, não conseguem ser atendidos.”

Pinhata, superintendente do HU, afirma receber “todo o apoio e os recursos necessários” da Reitoria

O Informativo Adusp enviou questionamentos sobre os problemas do HU à Superintendência de Saúde da USP (SAU) e à Superintendência do HU. A SAU não se manifestou.

Já o superintendente do hospital, José Pinhata Otoch, afirmou que “o HU tem recebido todo o apoio e os recursos necessários da Reitoria para a realização das manutenções corretivas e para a revisão e contratação dos serviços de manutenção estrutural (civil, elétrica e hidráulica)”.

Em relação à possibilidade de que a gestão do hospital venha a ser assumida por uma fundação ou “organização social de saúde”, Pinhata garantiu que “não existe nenhuma tratativa de transferência do HU-USP para qualquer entidade que seja”. “O HU é o hospital da USP para ensino, pesquisa e assistência inserido completamente no SUS.”

Apesar da negativa da Superintendência, de fato em recente reunião do Grupo de Trabalho formado no âmbito do Conselho Deliberativo do HU (GT-HU) o médico Gonzalo Vecina, docente da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e convidado a integrar um grupo que discute a gestão do HU, defendeu a entrega do equipamento para uma fundação ou “organização social de saúde”.

Quanto ao novo auxílio-saúde criado pela Reitoria, Pinhata sustenta que, “mesmo que o HU passasse a atender exclusivamente ao uspiano, não conseguiria garantir o atendimento integral a esta clientela por sua característica de hospital secundário”.

Leia aqui a íntegra da resposta do superintendente do HU.

EXPRESSO ADUSP


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