O processo de avaliação na universidade virou “uma confusão geral”, nas palavras da vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, que também preside a Comissão Permanente de Avaliação (CPA) e coordena um Grupo de Trabalho formado para refletir sobre a posição e a permanência da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) na USP. De acordo com a vice-reitora, o problema criado a partir da publicação da Resolução 7.272/2016 “é que houve uma inversão no processo de avaliação”.

“Se começou pela avaliação docente, quando a normativa pressupunha primeiro a avaliação institucional, depois a avaliação docente, e ao mesmo tempo se acoplou a progressão da carreira àquela avaliação. Aí virou uma confusão geral, e ao mesmo tempo com a CERT também avaliando”, disse Maria Arminda na última reunião do Conselho Universitário (Co), no dia 7/3.

“Quando se antecipou a avaliação docente e se deixou a institucional para depois, aqueles critérios que estavam nos relatórios e nas propostas de avaliação das instituições não estavam fixados porque se mudou a ordem. E o que aconteceu é que se usou a métrica conhecida, porque na falta de critérios você reafirma o que está lá”, justificou.

A vice-reitora afirmou que o sistema de avaliação na USP será resultado de um debate que inclui até um relatório “feito por figuras notáveis do meio acadêmico científico e esses resultados serão apresentados à comunidade da USP num seminário agora em abril”. Ao mesmo tempo, descreveu, os membros da Câmara de Avaliação Institucional (CAI) “irão às unidades explicar os respectivos relatórios”.

“Nós estamos num processo, portanto, de harmonização desse conjunto de iniciativas. Naturalmente, uma vez terminado, as propostas que virão desse GT serão levadas ao reitor e nós vamos fazer o debate”, disse.

Maria Arminda mencionou ainda que, “quando a tal Resolução 7.272 foi criada, a ideia era de que a CERT seria extinta”. “E não o foi por algumas questões conjunturais que eu não acompanhei porque não estava naquele momento”, tergiversou.

Por sua vez, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior defendeu mudanças no modelo de avaliação adotado pela USP. Na sua opinião, é preciso “continuar perseguindo” um “novo modelo de avaliação” que valorize “o impacto e outros valores que quantifiquem a qualidade sem uma numerologia excessiva”.

Por “numerologia”, Carlotti referia-se ao fato de que “as pessoas eram julgadas a partir de onde tinham publicado, sem olhar a qualidade, sem avaliar impacto”. “Não estou dizendo que a gente tem que jogar tudo fora, a numerologia, que não tem fator de impacto, não tem citação. Não é isso, mas isso estava demais, estava exagerado”, disse.

Declaração assinada pela USP recomenda não usar métricas como fator de impacto nas avaliações individuais

As considerações de Carlotti Jr. e Maria Arminda foram feitas a propósito de questionamentos formulados na reunião do Co por Daniel Cordeiro, docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e representante da(o)s professora(e)s doutora(e)s no conselho. Cordeiro integra o GT criado pela Vice-Reitoria para discutir a CERT.

De acordo com o relato do professor, a primeira reunião do GT, ocorrida na semana anterior ao Co, “foi marcada por uma discussão interessante sobre os problemas e expectativas para o papel da CERT, sobre as mudanças trazidas pelo Estatuto do Docente e sobre as ações adotadas pela CERT para a avaliação dos docentes, especialmente durante o estágio probatório”.

Dentre as atuais ações da CERT elencadas, prosseguiu, “foi mencionada a política de avaliar os docentes principalmente em função de suas publicações em periódicos de maior impacto”.

O professor defendeu que “repensar o papel e pertinência da CERT dentro do novo arcabouço legal introduzido pelo Estatuto do Docente passa por refletir sobre como a universidade deseja avaliar os seus docentes”.

Cordeiro abordou então a “Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Pesquisa”, documento formulado por um grupo de editores de periódicos acadêmicos em dezembro de 2016. Conhecida como DORA, sigla do nome em inglês, a declaração traz, como primeira recomendação: “Não use métricas baseadas em periódicos, tais como o fator de impacto (FI), como uma medida indireta da qualidade de artigos de pesquisa individuais, para avaliar as contribuições de um cientista individual, ou em decisões de contratação, promoção ou financiamento”.

Em outubro de 2021, o então reitor Vahan Agopyan e seu pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Canuto, publicaram a “Declaração USP de Apoio à Ciência Aberta”, que tem, entre seus princípios, o “incentivo ao uso de métricas responsáveis de avaliação”. Na mesma ocasião, Agopyan anunciou que a USP passava a ser signatária da DORA, “se juntando a milhares de instituições e pesquisadores de 150 países no mundo”.

Com base nas premissas do documento, Cordeiro então fez duas perguntas: “A USP continua comprometida a seguir os princípios de avaliação delineados na Declaração de São Francisco?” e “A universidade entende que adequar a avaliação docente aos princípios da Declaração de São Francisco deve ser uma prioridade neste contexto de repensar a CERT no sistema de avaliação docente?”.

Carlotti se disse “favorável ao documento de São Francisco”, que considera “uma evolução da avaliação”. “Acho que a DORA vem para contrapor esse exagero anterior. Eu sou favorável, acho que devemos continuar perseguindo esse objetivo”, continuou.

Já a vice-reitora confessou que não conhecia o teor da declaração, mas defendeu que “a avaliação tem que dar conta da qualidade e da diversidade”, uma vez que as áreas são muito diferentes entre si e uma mesma concepção de avaliação era usada para todas, deixando o sistema “engessado”.

O pró-reitor de Graduação, Aluisio Cotrim Segurado, pediu a palavra para fazer uma “sugestão aos colegas da CAD [Câmara de Atividades Docentes]”: “Na reestruturação da sistemática de avaliação do próximo quinquênio deve-se levar em conta o que está disposto no Estatuto do Docente, que é a possibilidade do docente, com o aval do seu departamento, definir perfis de atuação acadêmica que possam priorizar outros pilares da atuação acadêmica para além da atividade de pesquisa especificamente”, defendeu. “Com isso a gente teria uma oportunidade de aprimorar a avaliação do produto de pesquisa para além das métricas citadas, mas também avaliar a participação do docente nas demais atividades da vida acadêmica.”

Na campanha, chapa defendeu extinção da CERT; na gestão, o recuo

Cabe lembrar que, durante a campanha eleitoral para a Reitoria, a chapa Carlotti-Maria Arminda defendeu a extinção da CERT. Em reunião com a Diretoria da Adusp, em 4/11/2021, Carlotti afirmou que a proposta da chapa era de que “seria melhor terminar com a CERT e ficar só com a CAD, que tem uma lógica de avaliação melhor”. Vale relembrar que a Adusp defende historicamente a extinção da CERT, conforme documento apresentado à Reitoria e enviado por ofício em novembro de 2022.

Em sua visão, a CAD faz a avaliação de forma “seriada, periódica, avalia a unidade, departamento e depois quase naturalmente faz a avaliação docente”.
Maria Arminda pontuou que “a CERT tem sido uma fonte de tensões impressionante” e que a CAD tem a “grande vantagem” de ser eleita, o que já configura “um compromisso diferente”.

A mudança de postura, no entanto, ficou visível quando Carlotti e Maria Arminda assumiram o comando da Reitoria. Na reunião do Co no dia 23/8/2022, por exemplo, o mesmo professor Daniel Cordeiro formulou várias críticas à atuação da CERT e cobrou o compromisso de extinguir a comissão, até por conta da duplicidade de ações com a CAD, conforme anunciado na campanha eleitoral. Em resposta, a vice-reitora admitiu que “nada está decidido” em relação ao colegiado e limitou-se a dizer que um GT estudaria “o lugar da CERT” no sistema de avaliação. Por enquanto, como se vê, segue a “confusão geral”.

EXPRESSO ADUSP


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