Daniel GarciaFoto:
FAU: precedente em ações afirmativas na admissão de docentes

Reunida em 30/9, a Congregação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) decidiu por aclamação submeter à Procuradoria Geral (PG-USP) o pedido encaminhado por estudantes da unidade para que, nos editais e nas bancas dos concursos que serão realizados para preencher os 13 claros docentes de que a unidade dispõe atualmente, sejam adotadas medidas destinadas à inclusão de preto(a)s, pardo(a)s e indígenas (PPI) no corpo docente.

A análise da viabilidade da implementação de cotas PPI nos concursos de admissão docente caberá à Procuradoria Acadêmica, setor da PG-USP incumbido de prestar consultoria e assessoria às unidades de ensino e outros órgãos “em questões regimentais e estatutárias” que envolvam alunos, docentes e a organização interna das unidades. Além disso, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) acompanhará o processo. Docente da FAU, a pró-reitora Ana Lanna participou da reunião de 30/9.

Na ocasião, a Congregação aprovou outras quatro medidas relacionadas a ações afirmativas, como a formação de bancas com pessoas PPI e a inclusão de pontos e temas com recorte racial, criando assim, qualquer que seja a resposta da Procuradoria Acadêmica à consulta que lhe foi encaminhada, um precedente histórico em matéria de ações afirmativas nos concursos de admissão de docentes na USP. O tema foi objeto de recente seminário promovido pela Adusp com apoio de coletivos negros.

Também em 30/9, uma assembleia discente deliberou pelo fim da greve iniciada em 21/9, motivada pela escassez de docentes no curso de Design. De acordo com o Grêmio Estudantil (gfaud), o(a)s estudantes propuseram, e foi aprovada, “uma nova distribuição dos cargos para o concurso de claros docentes de nossa unidade, visando atender às demandas urgentes dos estudantes do curso de Design e propor medidas para que professores pretos, pardos e indígenas sejam priorizados no concurso”. Foi pactuado que “o número de vagas para cada curso e para cada departamento irá corresponder ao que foi proposto pelos estudantes”, e foi acordada “a criação de uma comissão com quatro representantes discentes para definição dos perfis docentes”.

No tocante às medidas de inclusão PPI aprovadas, o gfaud avalia que a votação favorável “só foi possível porque nos mobilizamos nessa greve e escrevemos um documento bem estruturado e sensível às demandas da escola, como foi destacado por alguns docentes presentes”, redação essa “fruto da mobilização de estudantes de diferentes cursos, com interesses e histórias também distintas, mas que se organizaram para lutar pelos interesses coletivos”.

“Ressaltamos que a luta continua, sendo imprescindível que o corpo estudantil continue unido não só acompanhando os processos acordados e aprovados no colegiado hoje [30/9], como também somando as nossas outras demandas e lutas como estudantes”.

Nenhum(a) de 131 docentes da FAU é PPI, destaca documento encaminhado à Congregação

“No quadro atual de docentes composto por 131 membros, de acordo com a atualização mais recente do website da instituição, não há um único professor preto, pardo ou indígena. Num país que abarca 56% de sua população em uma destas designações étnico-raciais, a ausência completa de seus representantes no ambiente de docência nesta faculdade denota o racismo inerente à carreira acadêmica no Brasil”, principia o documento encaminhado à direção da FAU em 22/9 e depois submetido à Congregação, intitulado “Proposta do corpo discente para a distribuição dos claros docentes e inclusão de cotas étnico-raciais no processo de contratação”.

Neste sentido, prossegue, “tomar medidas diretas para o enfrentamento desse problema sistêmico é uma ação que objetiva não só preencher uma parte do corpo docente da FAUD [sic] com corpos não-brancos, mas também abrir um precedente dentro da USP que possa referenciar o processo de inclusão racial na docência no país”. As lideranças estudantis decidiram acrescentar a letra D à sigla da unidade, nos textos que produzem, como forma de destacar a existência do curso de Design.

Portanto, “considerando os fatores aqui apresentados, e a urgência da inserção de novos docentes no plantel da FAUD”, o corpo discente e o Coletivo Malungo propuseram que as “13 (treze) vagas de claros docentes à FAUD dedicadas pela Reitoria sejam destinadas a candidatos PPI”, e que a distribuição dessas vagas “deve abarcar os três departamentos desta faculdade”, sendo que quatro claros serão alocados no Departamento de Tecnologia, três no Departamento de História e Estética do Projeto e seis no Departamento de Projeto.

“A composição da banca avaliativa deve incluir, obrigatoriamente, ao menos duas pessoas não brancas. As cadeiras a serem reservadas deverão ser decididas em sorteio, previamente aos convites”, define ainda o documento. “Não existindo pessoas PPI legalmente aptas a ocupar as cadeiras sorteadas da mesa — situação plausível, vide a ausência completa de docentes PPI na FAUD —, o departamento pode sugerir cadeiras da banca onde isso seja possível”.

Outra medida requerida é que, aos pontos e temas definidos para cada edital, deverão ser incorporados ao menos dois que incluam o recorte racial, “de modo a garantir que os futuros claros docentes tenham conhecimento e sensibilidade ao tema”, e “faz-se obrigatória a inclusão desses pontos no processo seletivo, sendo os mesmos reservados de exclusão pela banca”.

“Foi uma reunião bastante positiva”, destaca vice-diretora da FAU

Todas as medidas propostas no documento, à exceção da destinação dos 13 claros que depende de manifestação preliminar da PG-USP, foram aprovadas pela Congregação, confirmou ao Informativo Adusp a professora Maria Camila Loffredo D’Ottaviano, vice-diretora da FAU. “Foi uma reunião bastante positiva”, destaca. Alguns concursos em andamento na unidade, observa, já têm na banca pessoas não brancas.

“O mérito dos 13 claros foi discutido. Do ponto de vista da universidade a gente entende que não pode reservar todas as vagas para um único perfil [PPI]. Mas também entende que é importante ter reserva de vaga, como tem reserva de vaga para os [estudantes] ingressos”, esclarece. “A Congregação se colocou positivamente do ponto de vista do mérito, sabendo que reservar as 13 vagas dificilmente seria viável [do ponto de vista legal e jurídico]”.

O assunto voltará a ser debatido pela Congregação assim que a FAU receber uma resposta da PG-USP. “Não é uma questão que uma unidade possa resolver individualmente”, pondera Maria Camila, mas será encampada pela faculdade. “Numa discussão desse tipo, não tem mais como voltar atrás”.

Na avaliação de Marcelly Alessandra de Carvalho Soares, segundanista da FAU e ativista do Coletivo Malungo, as decisões da Congregação representam um marco histórico. “Isso precisa ser construído na USP como um todo também, ainda temos muita luta pela frente, é só o início de uma universidade pública inclusiva e diversa em todas as suas áreas”, declarou ao Informativo Adusp a estudante.

“Sei que esse processo não vai ser fácil, se não temos nenhum professor preto, pardo ou indígena na FAUD não é uma coincidência, é só mais um reflexo dessa universidade branca e elitista”, diz Marcelly. “Está sendo muito importante para mim, como uma estudante preta, sentir que pode haver um espaço onde não apenas teremos representatividade, mas tais pessoas ocupando esses espaços nos darão novas perspectivas e conhecimentos sobre os assuntos acadêmicos que há anos são abordados com a mesma visão”.

EXPRESSO ADUSP


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