As doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (do grupo CID-10 M, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças) são as que afastam o maior número de trabalhadores de suas funções na USP. Entretanto, aquelas que correspondem ao grupo dos transtornos mentais e comportamentais, classificadas como CID-10 F, são as mais frequentes e levam os servidores a se afastar por maior número de dias. Isso significa que os transtornos mentais são os responsáveis por manter os funcionários por mais tempo longe de seu trabalho na universidade.

As conclusões integram a pesquisa “Trabalho, adoecimento e saúde mental na USP”, conduzida no mestrado profissional de Ariana Celis Alcantara, e foram divulgadas num debate na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP no dia 13 de novembro. Ariana é assistente social no Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) da universidade e também docente contratada na FSP — ou seja, ao longo deste ano, ostentou a tripla condição de aluna, funcionária e docente da USP. Não bastasse tudo isso, como já possui mestrado em Serviço Social, ainda ingressou no doutorado na área na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Na pesquisa, abrigada num programa internunidades de Formação Interdisciplinar em Saúde sediado na Faculdade de Odontologia (FO) da USP e orientada pelo professor Carlos Botazzo (FSP), Ariana traçou o perfil dos afastamentos por motivo de doença dos trabalhadores técnico-administrativos entre os anos de 2012 e 2016, identificando e quantificando as doenças e os afastamentos de acordo com a CID-10 e especificando os afastamentos do grupo CID-10 F. Os dados foram obtidos no sistema Marteweb, de administração dos recursos humanos da USP.

Cai o número de funcionários, não o de licenças

As doenças do grupo CID-10 M — como artrites, tenossinovite etc. — afastaram 3.870 pessoas no período estudado, com média de 25,1 dias por pessoa. Já no grupo CID-10 F foram 1.492 pessoas, com média de 63,7 dias de afastamento por pessoa. O mesmo funcionário pode ter necessitado de licença por mais de uma vez e por doença distinta.

Nesse grupo, as doenças que afastaram o maior número de pessoas foram os episódios depressivos (CID-10 F32) e o transtorno depressivo recorrente (CID-10 F33), num total de 1.043 servidores. Também aparecem de modo significativo transtornos ansiosos, como ansiedade generalizada, além de reações ao estresse, transtornos de adaptação e ocorrências relacionadas ao uso de álcool. De acordo com os resultados da pesquisa, trabalhadores acima dos 50 anos de idade sem companheiro, e especialmente as mulheres nessa condição, possuem mais chance de adoecer por transtornos mentais.

Embora o número de funcionários da universidade tenha diminuído, especialmente em função dos Programas de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) ocorridos em 2015 e 2016, os afastamentos não caíram na mesma proporção. Em 2012, a USP tinha 16.826 servidores, contra 14.859 em 2016. Considerando-se esses dois anos, o total de ocorrências foi, respectivamente, de 14.813 e 14.673, envolvendo 6.003 pessoas (35,7% do total de servidores) em 2012 e 5.631 (37,9%) em 2016.

AnoFuncionáriosOcorrênciasPessoas
201216.82614.8136.003 (35,7%)
201614.85914.6735.631 (37,9%)

“Já pensei em cometer suicídio”, relata servidora

Ariana ouviu os trabalhadores da universidade por meio de formulários disponibilizados na Internet. Responderam ao questionário 679 trabalhadores de 68 locais diferentes, entre unidades de ensino, museus, hospitais, superintendências, setores administrativos, prefeituras e Reitoria, contemplando todo o universo USP. A pesquisa demonstrou, por sinal, que a maioria dos servidores possui qualificação acima da exigida para o cargo: 41,4% já concluíram ou estão cursando ensino superior, e 43,6% têm pós-graduação. Desse total, 44,6% fizeram especialização; 31,7%, mestrado; e 23,7%, doutorado.

As perguntas apresentavam opções de resposta em múltipla escolha. Além delas, o formulário continha uma única questão que apresentava espaço para que o servidor incluísse um relato. Após responder se, em sua opinião, “independente de afastamento ou não, o trabalho teve relação com seu adoecimento?”, o participante era convidado a relatar o ocorrido, caso tivesse assinalado “sim”.

As contribuições enviadas a partir dessa pergunta somaram quase 70 páginas de relatos de trabalhadores, diz Ariana. No debate da FSP, a pesquisadora apresentou uma manifestação em que a servidora afirmou que já havia chegado a pensar “em cometer suicídio”: “atualmente tomo antidepressivo por diversos motivos incluindo o trabalho, onde tenho excesso de serviço para realizar e reações por vezes de desprezo com minha situação emocional por parte da chefia. Geralmente evito marcar consultas médicas para não ter atritos com a chefia. Só vou se é muito necessário”, escreveu a funcionária. Ariana revela também que as queixas sobre omissão nos casos de assédio moral são frequentes. Na maior parte dos casos, não há investigação do ocorrido.

Mulheres negras adoecem, mas não se afastam

Independentemente de afastamento, metade dos trabalhadores associou seu adoecimento ao trabalho. Pouco mais da metade (52,8%) admitiu que já adoeceu, porém sem se afastar das atividades. Nesse grupo, a maioria é de mulheres negras, com idade acima de 50 anos, trabalhadoras do nível Básico e sem companheiro.

Uma das principais causas para isso é o “limbo” previdenciário, período compreendido entre o afastamento e a data da perícia na Previdência, pois o trabalhador fica sem o pagamento desses dias caso tenha o benefício negado. As negativas da Previdência têm se intensificado nos últimos tempos, aponta Ariana. De acordo com pesquisa que conduziu anteriormente, em média 45% dos trabalhadores que pleitearam o auxílio-doença entre 2006 e 2015 tiveram o benefício negado.

A pesquisa analisou também as condições e organização do trabalho. Nesse campo, os trabalhadores sentem-se seguros com relação aos riscos físicos, o que indica a presença da engenharia de segurança. Nem sempre, porém, há condições ergonômicas adequadas — houve relatos de servidores que adquiriram itens de mobiliário do próprio bolso para fins de ergonomia.

Funcionários são excluídos das decisões

Os trabalhadores do nível Básico foram os que avaliaram as condições de trabalho como piores. Os servidores do nível Superior possuem 55% menos chances de afastamento do trabalho por doença, quando comparados aos do Básico. Em relação à organização do trabalho, mais da metade dos trabalhadores afirmou que sempre ou frequentemente as tarefas são repetitivas, considerando também que o número de funcionários é insuficiente para realizá-las.

Um ponto crítico levantado pelos trabalhadores diz respeito às relações socioprofissionais, que consideram a interação entre as pessoas no ambiente de trabalho. De acordo com a pesquisa, os funcionários avaliam que são excluídos das decisões e que falta integração nesse ambiente. Houve vários relatos de assédio moral, falta de habilidade das chefias nas relações interpessoais, sobrecarga de trabalho (burnout), subcarga de trabalho ou não atribuição de funções (boreout) e negativas de transferências.

A pesquisa demonstrou que, quanto pior a avaliação das relações socioprofissionais por parte do servidor, maiores são as chances de afastamento por motivo de doença.

Impacto financeiro para a USP

Além dos prejuízos para a saúde dos trabalhadores, a universidade também sofre impacto financeiro com essa realidade por conta do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Quanto maior o número de registros de acidentes de trabalho ou de doenças ocupacionais, maior a cobrança do FAP dos empregadores pela Previdência. O auxílio-doença acidentário, que entra no cálculo do FAP, é o tipo de afastamento com a maior média de dias de ausência na USP. Em 2016, por exemplo, a média de dias de ausência em cada afastamento no auxílio-doença acidentário foi de 52 dias.

Nos primeiros dias de afastamento, o salário é pago pela universidade, e durante todo o período em que o trabalhador estiver licenciado é necessário manter o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Há, portanto, repercussões financeiras para a universidade, além de consequências como a sobrecarga de trabalho no setor do funcionário.

Proposta de elaboração de política de saúde mental

Para a pesquisadora, é necessário favorecer a participação dos trabalhadores nas discussões sobre a organização do trabalho, propiciando momentos de conversa e de escuta por parte dos gestores. “A formação continuada, a escolha democrática e o rodízio de gestores, o acesso facilitado à informação e o estímulo à carreira são ações que contribuem para a melhora das relações socioprofissionais”, considera Ariana.

A autora também propõe a formação de um Grupo de Trabalho (GT) para pensar na elaboração de uma política de saúde mental dos trabalhadores da universidade, tendo a sua pesquisa como balizadora. Fariam parte desse GT, de acordo com a sua proposta, diversos órgãos e programas da universidade (Codage, Copert, CCRH, DRH, Ouvidoria, SESMT, Seção de Qualidade de Vida no Trabalho, Acolhe USP, HU-UBAS, Banco de Oportunidades, Programa Envelhecimento Ativo, Cepeusp), seis unidades (Instituto de Psicologia, Escola Politécnica, Fofito-Faculdade de Medicina, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e Faculdade de Saúde Pública) e o Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp). O projeto formulado no GT seria submetido em consulta pública aos servidores para incorporação de críticas, sugestões e melhoramentos, sendo institucionalizado após o crivo da comunidade USP.

No debate na FSP, foi sugerida a integração da Adusp ao GT. Os servidores presentes também propuseram a organização de um seminário acadêmico em 2019, para promover debates e encaminhar mais sugestões em relação ao tema.

EXPRESSO ADUSP


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