Consulta formulada a esta Assessoria Jurídica, acerca de proposta de Resolução da Reitoria da Universidade de São Paulo, deliberada pela Comissão de Legislação e Recursos,a ser veiculada por meio de Resolução, contendo dez artigos, trata da regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores da Universidade.

Sobre a matéria dispõe o artigo 37, inciso VII da Constituição Federal:

Art. 37 – “A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;”

É entendimento pacífico em nossa doutrina e jurisprudência, a falta de aplicabilidade do inciso VII do referido artigo, enquanto lei superveniente que regulamente esse exercício não fôr editada.

Alexandre de Moraes, na obra Direito Constitucional (Jurídico Atlas, 5ª edição, p. 308), assim gizou quanto ao tema, após o advento da Emenda Constitucional 19/98: “No tocante ao direito de greve, a jurisprudência firmou-se no sentido de não ser auto-aplicável, principalmente nos chamados serviços essenciais, inscritos no artigo 37, VII, da Constituição Federal, dependendo, para seu amplo exercício, de regulamentação disciplinada em Lei.”

Resta hesitação, contudo, para saber a forma legal através da qual a regulamentação do exercício do direito de greve dos servidores públicos deveria se revestir. Para esclarecer a questão, o autor, em seguida, traz à colação a decisão do Supremo Tribunal Federal para a matéria, que defende a edição de lei complementar para tanto. Assim, conduz ao entendimento da necessidade, ainda, de edição de lei complementar para a regulamentação desse exercício, tal como era desejo do constituinte originário:

“MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO- DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO- PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO.

Direito de greve no serviço público: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende de edição de lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício.

O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição de lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no artigo 37, inciso VII, do texto constitucional (MI 20-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, de 27/05/94)

Já autores como Maria Sylvia Zanella di Pietro passaram a entender, com a Emenda Constitucional 19/98, que não há mais a exigência de lei complementar, apenas de lei específica: “Na redação original do inciso VII, exigia-se lei complementar para regulamentar o direito de greve; pela nova redação, exige-se lei específica. Como a matéria de servidor público não é privativa da União, entende-se que cada esfera de Governo deverá disciplinar o direito de greve por lei própria”. (Direito Administrativo, Jurídico Atlas, 11ª edição, p. 441)

Observe-se, porém, que adotando tanto a primeira corrente citada, como a segunda, a qual nos filiamos, ainda assim dependeremos de edição de Lei, seja ela complementar ou ordinária, como afirmado pelos autores acima mencionados, entre tantos outros.

Ademais, tratando dos direitos individuais e coletivos, nossa Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, inciso II, o denominado princípio da legalidade:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

O artigo, que encerra um dos princípios essenciais do Direito, e de extrema importância em sede de Direito Administrativo, enfrenta o problema de que não se pode suprir a lacuna legislativa através de decretos, resoluções ou portarias internas. Convém, então, lembrar à Universidade de São Paulo que Resolução não é Lei.

O eminente jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, discorrendo sobre o princípio da legalidade assevera: “Nos termos do art. 5º, II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Aí não se diz “emvirtude de” decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar” (grifo nosso)(Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13ª ed, p. 74)

A Resolução em questão não trata de minuciar normas, mas de verdadeiramente legislar sobre matéria que ainda não foi enfrentada pelo Poder Legislativo. A USP, dessa forma, fere o princípio da legalidade ao atuar fora da esfera estabelecida pelo legislador.

Nesse diapasão, foi também violado o princípio da reserva legal, definido por José Afonso da Silva nas seguintes palavras: “tem-se, pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinada” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed, São Paulo, Malheiros, 1992, p. 368). Com tal clareza, torna-se a irregularidade em pauta, evidente.

Convém ressalvar que o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal impõem obediência quanto à forma para a regulamentação de direitos e obrigações. Implicam em afirmar que somente por meio de espécies normativas elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, pode-se criar reservas e obrigações para o indivíduo. Seus enunciados visam conter a vontade arbitrária dos detentores de poder, assegurando ao indivíduo a prerrogativa de rejeitar as injunções que lhe são impostas por outra via que não seja a da lei

Ao editar a resolução em questão, regulando o exercício de greve de seus servidores, a Universidade de São Paulo legisla sobre matéria constitucional e cria uma diferenciação entre os servidores públicos da sua Universidade e os demais, em matéria que não o permite, já que a própria Constituição não autoriza.

Assim sendo, conclui-se que a Resolução que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos servidores da USP está em total desacordo com os princípios e normas legais atinentes à questão.

Assessoria Jurídica da Adusp
Lara Lorena Ferreira
AB/SP 138.099

EXPRESSO ADUSP


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