Estudantes da FMUSP recebem ministro da Saúde com protesto e chamando Bolsonaro de “genocida”

Estudantes da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e integrantes do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” organizaram uma manifestação para receber o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que visitou a unidade nesta quinta-feira (25/3).

Com faixas e cartazes defendendo a vacinação e o auxílio emergencial e atacando a política do governo federal em relação à pandemia da Covid-19, que já matou mais de 300 mil brasileiros, os estudantes acompanharam o ministro até o interior do prédio gritando “Mais vacina e menos cloroquina! Bolsonaro genocida!”

Ao lado do ministro da Educação, Milton Ribeiro, Queiroga participou de uma reunião na sala da Congregação com docentes da FMUSP e de outras unidades da USP.

Do lado de fora, durante o encontro, os alunos leram um manifesto no qual questionam quais atitudes o ministro tomará na condução das ações do combate à disseminação do novo coronavírus.

“No momento mais crítico da pandemia, presenciamos a quarta indicação ao Ministério da Saúde que, desde o início, mostrou-se incapaz de articular políticas eficazes de contenção do vírus. Nesse contexto, questionamos a afirmação de que cabe ao Ministério apenas executar as políticas do Governo Bolsonaro. O que poderia significar uma saída para o povo brasileiro, na verdade, reveste-se de continuidade da política implementada até agora, com isenção de qualquer responsabilidade por parte da liderança do Ministério da Saúde”, diz o texto (leia a íntegra abaixo).

Em sua fala, Queiroga pediu um voto de confiança à comunidade médica e disse que está tentando montar uma equipe técnica, mas não respondeu objetivamente se o ministério continuará apoiando o uso de remédios como cloroquina e ivermectina, defendidos como “tratamento precoce” para a Covid-19 por Jair Bolsonaro e pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, embora sejam ineficazes para tratar a doença e possam causar efeitos colaterais graves em caso de consumo indiscriminado.

Queiroga defendeu ainda que “o Brasil tem que investir em pesquisa, e não só o poder público”. “A indústria tem que investir em pesquisa, tem que fazer parceria com a universidade, não só gastar em marketing para convencer os médicos a prescrever medicações”, disse.

Afirmou ainda que é preciso “discutir a saúde pública neste país com coragem, e aí a gente pode mudar e fortalecer o sistema de saúde do Brasil” e que sua gestão vai “criar uma nova agenda”.

Queiroga evita se pronunciar sobre o “tratamento precoce” defendido pelo governo

No espaço aberto para perguntas e manifestações, um representante do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC) leu uma pergunta na qual apontava “a notável incompetência do governo federal na gestão da crise”, despreparo criticado em manifesto dos professores titulares da FMUSP e que se expressa em aspectos como “o desprezo pelas evidências científicas, a falta de transparência, o completo desrespeito às medidas de isolamento e a ausência de gestão centralizada”.

“O senhor irá alterar de alguma forma o modo como o governo federal trabalhou até aqui, mesmo que para isso precise se colocar contra posicionamentos do próprio presidente? Ou o senhor acabará com o prestígio que possui para promover um falso respaldo às ações do governo federal? Podemos esperar do senhor respeito com a medicina baseada em evidências, ou será apenas mais uma gestão que desprezará as medidas de isolamento e incentivará o uso de medicamentos sem eficácia comprovada? O senhor se colocará contra o chamado tratamento precoce ou manterá o posicionamento do governo até agora?”, perguntou o aluno.

Na resposta, o ministro voltou a ser evasivo. “Acho que a sua pergunta já foi respondida com a minha fala. Quem vai avaliar o que eu fiz é a história. Cada um de nós tem que colocar um tijolo nessa parede que aqui estamos construindo e a argamassa que solidifica essa parede somos todos nós. Então vamos olhar para a frente, vamos deixar de gerar calor. Nós queremos é luz, não calor”, disse.

Afirmou ainda que espera poder ser útil e “subsidiar o presidente da República com informações que o convençam acerca do melhor caminho a ser seguido”.

As evasivas do ministro desagradaram a docentes que acompanharam o encontro de maneira remota. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva, disse ter ficado decepcionado com a falta de respostas objetivas. “Infelizmente, ele não tocou em questões a meu ver centrais: banir o tratamento precoce sem evidência, planejar urgentemente com governadores e prefeitos medidas para a redução da transmissão, explicar como e quando chegaremos a um milhão de vacinados [por dia] que ele ontem anunciou, e voltar a fazer coletivas diárias de prestação de contas, em respeito à sociedade”, ressaltou.

Na reunião, o diretor da unidade, Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, entregou a Queiroga o Manifesto do Colegiado dos Professores Titulares da FMUSP, publicado no dia 16/3. O documento lista dez medidas para o combate à pandemia. Quatro delas foram enfatizadas pelo professor: a importância da transparência em relação a todos os dados sobre vacinação, casos e mortes por Covid-19; que o governo não apoie o uso de nenhum medicamento cuja eficácia não tenha sido cientificamente comprovada; a adoção do distanciamento social e do isolamento como política prioritária; e a implementação da vacinação universal e gratuita.

Também participaram da reunião, entre outros nomes, o vice-diretor da FMUSP, Roger Chammas, o pró-reitor de Graduação da USP, Edmund Baracat, o ex-reitor Flávio Fava de Moraes, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e José Osmar Medina Tavares, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo.

Nesta quarta (24/3), Queiroga anunciou a nomeação de Carlos Carvalho para coordenar um grupo sobre protocolos de combate à Covid-19. Carvalho é professor da FMUSP e diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas. O docente é crítico da utilização de cloroquina. “A falta de organização central e as informações desconexas sobre medicação sem eficácia contribuíram para a letalidade maior na nossa população. Não vou dizer que representa 1% ou 99% [das mortes], mas contribuiu”, disse Carvalho em reportagem publicada pela BBC Brasil.

Leia a íntegra do manifesto do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz

“Ao excelentíssimo Senhor Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes, Ministro da Saúde:

O Centro Acadêmico Oswaldo Cruz vem por meio deste manifestar as preocupações do corpo discente da nossa instituição, a renomada Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em compreender qual será a postura adotada pela sua administração diante da maior crise sanitária dos últimos anos.

O Governo Federal apresentou até o presente momento prioridades equivocadas e por vezes perversas, resultando em absoluta ineficácia de gestão da crise, com consequências catastróficas para a população. Estas consequências tornam-se incontestáveis diante dos números crescentes de mortes diárias e da incalculável perda de 300 mil vidas, marco atingido no dia de ontem (24/03/21).

No momento mais crítico da pandemia, presenciamos a quarta indicação ao Ministério da Saúde que, desde o início, mostrou-se incapaz de articular políticas eficazes de contenção do vírus. Nesse contexto, questionamos a afirmação de que cabe ao Ministério apenas executar as políticas do Governo Bolsonaro. O que poderia significar uma saída para o povo brasileiro, na verdade, reveste-se de continuidade da política implementada até agora, com isenção de qualquer responsabilidade por parte da liderança do Ministério da Saúde.

Os alunos da Faculdade de Medicina da USP unem suas vozes aos titulares desta Casa quando estes afirmaram que as nossas mais potentes armas no combate à Covid-19 são as ações coletivas de prevenção e uma medicina que se alicerce nos conhecimentos científicos, no compromisso com a ética e na empatia aos doentes. A descredibilização das medidas sociais com forte evidência científica de benefício, a falta de transparência, o completo desrespeito às medidas de isolamento e a ausência de articulação política nos diferentes níveis de gestão concorrem para a manutenção de um quadro que resulta em perdas irreparáveis à sociedade brasileira.

Reconhecendo sua biografia e as contribuições que fez para a prática médica no Brasil, manifestamos o interesse dos nossos alunos em saber o planejamento estratégico para alterar a forma como o governo federal trabalhou até aqui, uma vez que os resultados obtidos pelas gestões anteriores foram repetidamente falhos. Ainda em uníssono aos professores desta faculdade, ressaltamos a necessidade de adoção de medidas radicais de lockdown nas regiões mais acometidas, de desenvolvimento de políticas emergenciais intersetoriais para assegurar a adequada adesão das pessoas às políticas de isolamento físico, aceleração significativa do programa de vacinação e medidas de combate às notícias falsas, desinformação e más práticas de prevenção e tratamento.”

EXPRESSO ADUSP


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