No dia 15/2, a Comissão de Ética da USP aprovou, em reunião, parecer sobre a denúncia apresentada pela professora Claudia Momo à direção da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), à Ouvidoria da USP e a diversas outras instâncias e órgãos da universidade, contra o professor Paulo César Maiorka, vice-chefe do Departamento de Patologia da FMVZ (conhecido como VPT), por assédio moral, perseguições a ela e a outras docentes da unidade e diversas outras más condutas.

No entender da Comissão de Ética, “diante dos fatos, fica claro” que Maiorka “reiteradamente transpassa os limites estabelecidos neste Código de Ética, produzindo um prejuízo moral e profissional sobre a Profa. Momo”. O parecer foi encaminhado à Ouvidoria da USP para que seja encaminhado à denunciante, para ciência, “e ao denunciado, para que haja um amplo direito de resposta”.

A Comissão de Ética destaca, no seu parecer, o fato de que a professora “apresenta um documento de denúncia com 33 páginas, contendo 14 relatos de casos e situações em que se viu humilhada, constrangida ou [teve] sua competência diminuída pelo Prof. Maiorka, em eventos registrados ao longo de 2022”. Aponta, ainda: “Todos os eventos e relatos são embasados com documentos, depoimentos, e gravações em reuniões de trabalho, seminários online e até conversas reservadas”.

Além daquilo que é relatado em documentos ou falas do próprio denunciado, acrescenta o parecer, “surpreendem os relatos de outras docentes e de pós-graduandos que também se sentem intimidadas por ele [Maiorka], tendo por vezes, sido formalmente denunciado à Ouvidoria da USP sem, contudo, nunca ter sido devidamente investigado, quanto mais, penalizado [sic]”.

O documento da Comissão de Ética elenca cinco artigos do Código de Ética da USP que teriam sido feridos pelas condutas do vice-chefe do VPT, a começar pelo artigo 2º, que recomenda a prevalência do “respeito mútuo e a preservação da dignidade da pessoa humana”; o artigo 4º, que prevê seja garantido, nas relações entre os membros da universidade, “o direito à liberdade de expressão dentro de normas de civilidade e sem quaisquer formas de desrespeito”; e o artigo 5º, segundo o qual cabe aos membros da USP “manter e preservar o funcionamento de suas estruturas, o respeito, os bons costumes e preceitos morais e a valorização do nome e da imagem da Universidade”.

O parecer cita ainda o artigo 6º, segundo o qual constitui dever funcional e acadêmico dos membros da Universidade “I – agir de forma compatível com a moralidade e a integridade acadêmica”, bem como “VIII – preservar o patrimônio material e imaterial da Universidade e garantir o reconhecimento da autoria de qualquer produto intelectual gerado no âmbito de suas unidades e órgãos”. A alusão a este último dispositivo sinaliza que a Comissão de Ética entendeu serem dignas de nota as denúncias da professora Claudia de, por vezes, ocorrer apropriação indevida de seu trabalho pelo professor Maiorka.

Por fim, é citado também o artigo 7º do Código de Ética, que determina aos membros da USP que se abstenham de “valer-se de sua posição funcional ou acadêmica para obter vantagens pessoais e para patrocinar interesses estranhos às atividades acadêmicas”.

A Comissão de Ética é a primeira instância da USP a posicionar-se claramente sobre o teor das denúncias contra o vice-chefe do VPT.

A direção da FMVZ, por sua vez, diz que processo para investigar a conduta de Maiorka “encontra-se em andamento”, mas não informa número, não fornece nomes dos membros da comissão encarregada e não esclarece se é sindicância ou processo administrativo disciplinar (PAD). Incumbida do caso, a vice-diretora Denise Tabacchi Fantoni demorou vinte dias para responder a um simples e-mail do Informativo Adusp para que se manifestasse sobre a abertura ou não de processo e sobre dados básicos como número do processo, prazos e composição da comissão apuradora.

Agora, a vice-diretora alega, à guisa de justificativa para omitir toda e qualquer informação sobre a suposta investigação da denúncia apresentada em novembro de 2022, que “os procedimentos disciplinares de apuração preliminar, sindicâncias e processos administrativos são instrumentos da administração pública, e via de regra são sigilosos”. Ocorre que o sigilo não pode ser total, alguma publicidade é necessária, tanto que há necessidade legal de publicação da instauração dos processos no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

Maiorka pede afastamento por dois anos sem prejuízo de vencimentos para atuar “junto ao MMA”

Coincidentemente, o professor Maiorka utilizou-se da inexplicável demora na implantação da apuração para encaminhar um surpreendente pedido ao VPT. No dia 22/3, o vice-chefe solicitou ao departamento “afastamento, por dois anos, sem prejuízo de vencimentos, para atuar junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no DF” (destaques nossos). Ainda segundo a solicitação encaminhada por Maiorka, o afastamento “tem por intuito a atuação junto ao Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais no Ministério do Meio Ambiente, especialmente nos temas: Legislação Nacional e Internacional sobre Animais e a Implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em Bem-Estar Animal, em tratativa já iniciada com a Reitoria”.

Outro documento encaminhado por Maiorka ao Departamento de Patologia da FMVZ, com a finalidade de reforçar seu pedido de afastamento, é o Ofício 1.711/2023 do próprio MMA, no qual Vanessa Negrini, diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais, comunica ao chefe de gabinete da pasta, Carlos Eduardo Mota, que “em decorrência de tratativas anteriores, há sinalização positiva da Universidade de São Paulo para cessão SEM ÔNUS do Professor Doutor Paulo César Maiorka […] por dois anos para contribuir com os trabalhos do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais” (destaques do original).

Apesar da descrição um tanto vaga das atividades a serem desempenhadas por Maiorka no MMA, o Conselho Departamental teria decidido, em reunião extraordinária realizada nesta segunda-feira, 27/3, aprovar no mérito o pedido do vice-chefe de afastamento sem prejuízo de vencimentos, no entanto os documentos teriam de ser refeitos.

A aprovação se dá uma semana depois que o juiz José Fernando Steinberg, da Vara do Juizado Especial Criminal, concedeu medida cautelar solicitada pela professora Claudia Momo contra Maiorka, determinando que este “mantenha distância de 50 metros da vítima”, sendo ainda proibido de manter “qualquer forma de comunicação com a vítima”. O descumprimento dessas medidas “importará em decretação de prisão preventiva, nos termos do artigo 282, parágrafo quarto, do Código de Processo Penal”.

A razão para que sejam adotadas tais medidas protetivas, escreve o magistrado, é que, “segundo consta desses autos, o averiguado pratica ameaça e stalking contra a colega de trabalho, na Universidade de São Paulo – Departamento de Patologia […] onde possui inúmeros instrumentos aptos a ferir a integridade física da vítima, que, inclusive, passou a transitar pela universidade acompanhada de um segurança”.

Em fevereiro, a professora Claudia Momo protocolou na FMVZ nova denúncia contra o professor Maiorka. De acordo com o prêambulo do documento, ele está dividido em duas partes. A primeira consiste de relatos e transcrições de áudios de conversas e reuniões, que versam sobre a conduta do vice-chefe do VPT no ambiente de trabalho. “A segunda parte da denúncia apresenta o relato da violência institucional que sofri, a partir do momento no qual entreguei a primeira denúncia contra o mesmo docente”.

A presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, encaminhou correspondência ao reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., informando que a Comissão de Atendimento Docente está acompanhando o caso da FMVZ desde meados de 2022 e advertindo que essa unidade vinha postergando a instauração de uma comissão de sindicância.

“Considerando já terem passado meses desde a denúncia, sem notícia de encaminhamento efetivo, e tendo em vista a necessária celeridade na instauração da referida comissão, gostaríamos de alertá-los para a urgência da manifestação da Procuradoria Geral [PG-USP] e da unidade quanto ao caso, solicitando sejam tomadas providências imediatas”, enfatiza o documento.

EXPRESSO ADUSP


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