A Universidade de São Paulo está às voltas com um novo caso de assédio moral de grandes proporções, desta vez na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ). A professora Claudia Momo, docente do Departamento de Patologia (VPT), protocolou em 7/11/22 uma denúncia de 33 páginas contra o professor Paulo César Maiorka, ex-chefe e atual vice-chefe do VPT, acusando-o de assédio moral, perseguições, ameaças, humilhação, coação, sabotagem e apagamento do seu trabalho, falsas acusações, tudo isso “de forma constante e reiterada”, especialmente no período 2018-2022.

Além disso, a denúncia da professora Claudia Momo, que é a responsável pelo Serviço de Patologia Animal do VPT, relata diversos episódios em que o professor Maiorka teria assediado outras docentes do Departamento de Patologia, ou teria agido contra elas de forma persecutória e desrespeitosa.

Haveria um extenso histórico de má conduta, tanto que uma queixa à Ouvidoria da USP foi registrada já em 2011, pela professora Maria Lucia Zaidan Dagli. Em 2013, após queixa da professora Terezinha Knöbl ao VPT, o docente recebeu uma advertência verbal. Outra docente do departamento, também vítima de assédio moral praticado por ele, recorreu à então Pró-Reitoria de Pesquisa.

Procurado pelo Informativo Adusp para que se manifestasse sobre as acusações formalizadas pela professora Claudia Momo, o professor Maiorka declarou, em 1º/2: “Informo que não tenho conhecimento do teor da eventual denúncia, não fui notificado e não pratiquei nenhuma irregularidade”. (O espaço continuará aberto a eventuais manifestações posteriores do docente.)

Embora a denúncia tenha sido apresentada no início de novembro passado, até esta semana a direção da FMVZ não havia sequer criado uma Comissão de Sindicância, passo inicial indispensável de qualquer investigação séria. A depender dos resultados da apuração, instaura-se ou não um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

“A Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo está tomando as medidas cabíveis para a apuração dos fatos, abrindo, de acordo com os artigos 264 e 265 da lei complementar 942 que altera a lei 10.261, apuração preliminar. No presente momento, até que os fatos sejam apurados, quaisquer outras atitudes por parte desta diretoria não se aplicam”, declarou ao Informativo Adusp, em 31/1, a vice-diretora da FMVZ, professora Denise Tabacchi Fantoni.

A referência a “quaisquer outras atitudes” é uma resposta indireta à pergunta do Informativo Adusp quanto ao pedido, formulado pela docente autora da denúncia, para que a FMVZ lhe garanta proteção quando estiver nas dependências da unidade de ensino. “Informamos, ainda, que a professora doutora Claudia Momo, docente desta instituição, tem conhecimento das ações que estão sendo realizadas por parte desta Diretoria”, finaliza a vice-diretora.

Chefe do VPT nega ter sofrido ameaça física e nega haver pressionado testemunhas

Ao mesmo tempo, a chefe do VPT, professora Cristina de Oliveira Massoco Salles Gomes, teria sido acionada diversas vezes por Claudia Momo para que tomasse providências contra Maiorka, mas não o fez. Quando teve acesso ao documento, que lhe foi repassado pela direção da unidade, Cristina teria passado a procurar pessoas nele citadas, em movimento que “poderia ser interpretado como de coação de testemunhas”, como advertiu Claudia em mensagem à Ouvidoria e à pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lúcia Duarte Lanna, em 22/12. Isso porque a denúncia contra o vice-chefe do VPT também foi encaminhada à Ouvidoria e à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).

Questionada a respeito pelo Informativo Adusp, a chefe do VPT confirmou haver conversado sobre o caso com algumas pessoas, mas alega que isso ocorreu porque “sequer tinha conhecimento de que a docente havia protocolado tal denúncia, tampouco quem mais era parte, portanto […] precisava, minimamente, inteirar-me dos fatos para possivelmente tomar medidas cabíveis de modo a garantir a manutenção das atividades do departamento, até que iniciados os procedimentos comuns de apuração da denúncia”. Adicionalmente, diz que, “devido ao fato de eu ter sido informada oficialmente apenas 43 dias após o encaminhamento da denúncia, de fato, procurei conversar com alguns colegas do departamento para entender o que estava acontecendo”.

Indagada se é procedente ou não relato existente na denúncia, de que se sentiu “fisicamente ameaçada” pelo professor Maiorka (não obstante sejam amigos), durante uma discussão ocorrida no departamento em março de 2022, a professora Cristina de Oliveira Massoco Salles Gomes nega enfaticamente que isso tenha ocorrido: “Em particular, o que considero que não irá transcorrer em prejuízo ao processo e gostaria de declarar é que eu nunca me senti fisicamente ameaçada no ambiente da Universidade de São Paulo a qual frequento desde 1992, seja por colegas docentes, servidores ou alunos”.

De qualquer modo, em referência à preocupação manifestada pela professora Claudia Momo no tocante à preservação da sua própria integridade física, a chefe do VPT declarou ao Informativo Adusp que foram adotadas providências com esse intuito: “Cumpre-me, apenas, dizer que foram tomadas as medidas administrativas para evitar o contato dos docentes, tão logo ciente fiquei da situação”.

Por outro lado, a professora Cristina de Oliveira Massoco Salles Gomes prefere não tecer comentários sobre o teor da denúncia: “À luz dos artigos 264 e 265 da Lei Complementar 942 que altera a Lei 10.261, considerando o caráter sigiloso do conteúdo do procedimento apuratório que se encontra em andamento [sic] e, conforme orientação da Procuradoria Geral da Universidade de São Paulo julgo que ao responder seus questionamentos neste momento divulgarei informações que possam acarretar prejuízos às investigações administrativas em curso, portanto, me sinto impedida de responder a todos os seus questionamentos”.

Acrescenta, por fim: “Enquanto chefe do Departamento de Patologia, não sou autorizada a comentar detalhes e opiniões, o que seria leviano de minha parte, pois julgo que poderia causar ruído e prejudicar o processo em andamento”.

Denúncia elenca 14 episódios de assédio moral e má conduta

A denúncia apresentada por Claudia Momo consiste, fundamentalmente, na descrição detalhada de 14 episódios (“eventos”) de suposta má conduta do docente acusado de assédio moral. Os fatos descritos ocorreram durante o exercício, por Paulo Maiorka, de cargos na gestão do VPT: coordenador da Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada (2015-2019), chefe do Departamento (2019-2021) e vice-chefe (2021-2023). Além disso, a professora anexou cópias de gravações, de onde foram transcritas frases chocantes pela agressividade verbal, tal a quantidade de vocábulos grosseiros e de baixo calão.

“Após anos de intimidações, ameaças e coação, passei a gravar as conversas com o professor Paulo Maiorka”, afirma ela no trecho de introdução da denúncia. “Passei a reunir provas a partir de outubro de 2018, pois já não suportava mais a situação humilhante à qual estava sendo submetida”, diz. “Tomei essa decisão pois se sabe que, frequentemente, a pessoa que intimida, ameaça e coage alguém, o faz longe dos olhos e ouvidos de testemunhas”, destaca. Ademais, acrescenta, embora exista um histórico de denúncias contra Maiorka, “nenhuma delas resultou em punição, nem o coibiu de continuar com o comportamento absolutamente inadequado”.

Na sua maior parte, os incidentes descritos no documento envolvem relações de trabalho na FMVZ e particularmente no VPT e no Serviço de Patologia Animal. Os relatos descem a minúcias cuja compreensão pode ser complicada para pessoas que atuam em outras áreas profissionais. No entanto, as acusações evidenciam um cenário, a ser comprovado nas apurações, de frequente hostilidade do docente acusado frente a suas colegas, de criação de intrigas no ambiente laboral, e de tentativas de desacreditar a trajetória profissional e as atividades desempenhadas por algumas professoras. É o que se pode constatar em alguns episódios selecionados pelo Informativo Adusp.

Durante reunião online do Conselho do Departamento de Patologia, em 20/9/2021, Maiorka parabenizou uma das docentes por sua aprovação em concurso para professor associado, recém ocorrido. Porém, ele extrapolou seus comentários e atribuiu a essa docente os méritos por uma tarefa que vinha sendo notoriamente desenvolvida não por ela, mas por Claudia Momo: a realização de exames citológicos. Em 2015, após discussão e deliberação do conselho departamental, Claudia assumiu a responsabilidade pelos exames citológicos. Maiorka, como qualquer docente atuante no Hospital Veterinário e no VPT, tinha pleno conhecimento disso.

“Desde então, fui a responsável pela checagem de 2.720 exames citológicos encaminhados pelos diversos setores do Hospital Veterinário [da FMVZ]. Nenhum dos resultados dos 2.720 casos foi liberado sem que eu tivesse lido as lâminas”, explica a responsável pelo Serviço de Patologia Animal. Além da leitura das lâminas, ela checou cada um desses casos junto com os médicos veterinários [MV] residentes. “E, a cada ano, ensinei, na prática, a cada novo MV residente que ingressou nos vários programas de residência do Hospital Veterinário como coletar material citológico, como fazer o processamento do material, como corar as lâminas, como interpretar a celularidade presente nas lâminas, como confeccionar o relatório de um exame citológico e como emitir um diagnóstico”. A seu ver, o comentário de Maiorka foi “um desrespeito ao meu trabalho e à minha pessoa, pois ele atribuiu a outrem o mérito do trabalho que eu desenvolvo”.

Em fevereiro de 2022, Claudia foi procurada pelo delegado de Polícia Civil do município de Cunha (SP), para a realização de necropsias em bovinos numa propriedade rural, pois havia uma denúncia de maus tratos e a Polícia havia conseguido um mandado de busca e apreensão para entrar na propriedade. “Conversei longamente com o delegado e acertamos como seria desenvolvido nosso trabalho no dia seguinte. Naquele mesmo dia, 5 de fevereiro, avisei os dois médicos veterinários residentes de que viajaríamos à propriedade no dia seguinte”, explica ela na denúncia.

No entanto, relata a responsável pelo Serviço de Patologia Animal, Maiorka teria procurado os residentes, na véspera da viagem a Cunha (e à revelia da professora), para dizer-lhes que uma bióloga, profissional legalmente não habilitada para tanto, participaria das necropsias em questão, e que isso lhes acarretaria um processo no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), com consequências negativas na carreira dos jovens profissionais. Uma residente, atemorizada, decidiu então cancelar sua participação, o que prejudicou as necropsias.

“Em decorrência disso, meu trabalho em Cunha foi demasiado prejudicado, pois eu perdi uma pessoa essencial na minha equipe! A conduta do professor Paulo Maiorka atrapalhou sobremaneira o andamento de um trabalho que havia sido solicitado por um delegado de Polícia!”, protesta Claudia. “É inadmissível que um docente interfira […] e provoque pânico nas pessoas que trabalham comigo, por alegações infundadas e levianas acerca da minha conduta profissional”.

Apropriação indevida do trabalho da professora é uma das acusações

Num episódio anterior, mas cujos reflexos persistem, porque envolve a publicação de um vídeo mantido na plataforma YouTube, teria havido apropriação indevida do trabalho da professora Claudia Momo pelo docente denunciado. Ela relata que, iniciada a quarentena provocada pela pandemia, em março de 2020, Maiorka passou a ministrar palestras online, nas quais cita casos de necropsias realizadas pelos MV residentes, sob a supervisão de Claudia, “como se ele as tivesse realizado ou as supervisionado, se apropriando do meu trabalho”.

Em algum momento de 2017, continua a autora da denúncia, Maiorka “sugeriu que nós dois assinássemos juntos os relatórios de necropsias solicitadas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público”, sob a alegação de que tal prática daria um “peso maior” aos relatórios. “Constrangida, concordei em assinarmos juntos os relatórios de necropsia. Obviamente, eu deveria acompanhar as necropsias nos meus dias na escala de plantão e ele deveria acompanhar as necropsias nos dias das escalas de plantão dele. Nós não combinamos que eu iria realizar as necropsias e que ele iria apenas assinar junto comigo”, esclarece.

“Passamos a assinar alguns relatórios de necropsia juntos. Porém, mesmo que não combinado, quem acompanhava, orientava, realizava as necropsias, conferia as lâminas histopatológicas com os MV residentes e discutia os casos com os MV residentes sempre fui eu, já que o professor Maiorka não frequenta a sala de necropsia há anos”.

Em live intitulada “Patologia Forense” (27/5/2020), da qual participaram o presidente e o vice-presidente da Associação Brasileira de Patologia Veterinária, o então chefe do VPT diz em determinado momento: “Como eu falei para vocês, eu tenho trabalhos de exumação de animais mortos há três meses, e eu tenho um diagnóstico. Eu tenho tomografia computadorizada, eu escaneio o cadáver antes de passar pela necropsia, eu já vou nos pontos certos onde tem fraturas, onde tem projéteis. Eu tenho uma colega, Claudia Momo, que tem interesse, que tem uma experiência com grandes animais, então nós fazemos esse trabalho em conjunto, como se fosse na perícia civil aqui em São Paulo, sempre dois assinam, nós somos bastante próximos, amigos, um corrige a parte do outro.”

Nesta e noutras palestras, sustenta a professora na denúncia, o atual vice-chefe do VPT “cita casos de necropsias realizadas por mim, como se tivessem sido realizadas por ele”. Além disso, acrescenta, a referência feita por Maiorka na live é despropositada: “Eu não ‘tenho interesse’ na área, eu realizo necropsias na área de medicina veterinária legal há 16 anos. Ademais, eu estive presente nas necropsias que ele citou […], orientando e ensinando os MV residentes, lendo as diversas lâminas histopatológicas produzidas em cada caso […] e corrigindo os relatórios destes exames. Ele não esteve presente, ele não ele não leu as lâminas histopatológicas. O que ele fez foi ler e assinar, juntamente comigo, os relatórios de necropsia que já haviam sido corrigidos por mim”, explica.

“Apesar de citar meu nome na palestra, o professor Maiorka deixa a impressão de que eu sou uma mera aprendiz, uma pessoa meramente interessada no assunto, alguém que está dando os primeiros passos na área. Com isso, ele está promovendo, mais uma vez, o apagamento do meu nome e do meu trabalho”. Disponível no YouTube, a live teve, até o momento, 1.402 visualizações.

Agressões verbais a professoras e a uma promotora de justiça

Independentemente dos relatos de diversas situações conflituosas que teriam sido provocadas pelo hoje vice-chefe do VPT, impressiona na denúncia a transcrição de frases proferidas por ele, que utiliza um linguajar totalmente incompatível com a civilidade esperada de um docente universitário (e exigida no Estatuto da USP). Trata-se, como visto acima, do conteúdo de áudios gravados por Claudia, aos quais o Informativo Adusp teve acesso. Em pequeno intervalo de tempo, diversas pessoas são alvo, simultaneamente ou quase, de suas agressões verbais.

Numa gravação de 40 minutos datada de outubro de 2019, por exemplo, ouvem-se os seguintes comentários de Maiorka, enquanto ele permanecia na sala da colega, referindo-se a outra docente do VPT: “Você não pode contar com ela, ela pega a bolsinha, rebolando aquele cu gigante e vai para a puta que o pariu”; “A nega não faz merda nenhuma, só pode virar a madrugada dançando pelada de calcinha num cabaré, é o que eu posso imaginar, dançarina de cabaré, fica pelada a noite inteira no pole dance”.

Na mesma ocasião, o docente faz referências chulas e grosseiras a uma promotora de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo com quem o VPT vinha interagindo numa investigação: “Ela [uma colega docente] passou por cima de uma chata p’ra caralho, promotora, que acha que tem o poder na buceta, assim, ela é uma chata”.

Um incidente que se reveste de gravidade ainda maior está relacionado a uma tragédia: a morte de uma criança. “Outro relato de atitude incompatível com a ética no ambiente de trabalho se refere à necropsia de dois cães, encaminhados pela Polícia Civil. Na última semana de 2019, uma criança pulou o muro de um terreno, para pegar uma bola. No terreno, havia cães, que atacaram a criança e a mataram. A Polícia Militar foi acionada e, chegando ao local, atirou e matou dois cães. Foi um caso de grande comoção, que repercutiu na mídia”, contextualiza a professora da FMVZ. Durante a necropsia do primeiro cão, Maiorka teria entrado na sala e dito, de forma debochada: “E aí, encontraram pedaço de gente no estômago dos cães?”

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