Ministro da Educação reage de forma exaltada a uma ação de jovens da ONG Engajamundo no Pará e xinga frequentadores do espaço público. Em entrevista concedida anteriormente e publicada nesta terça, defende o programa "Future-se" e afirma que as Organizações Sociais que passarem a atuar nas instituições federais poderão contratar professores e cobrar por cursos de pós-graduação

Abordado na noite desta segunda-feira (22/7) por jovens integrantes da ONG Engajamundo numa praça com vários restaurantes em Alter do Chão (PA), onde passa férias, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tomou o microfone dos músicos que se apresentavam no espaço e passou a discutir com os ativistas e também com outros frequentadores do local.
 
Os jovens se aproximaram oferecendo um prato de kafta, fazendo referência a uma confusão do próprio ministro, que numa audiência no Senado, em maio, usou o nome do prato quando queria falar do escritor Franz Kafka. Os cartazes dos integrantes da ONG citavam também o episódio da divisão dos chocolates que Weintraub utilizou para falar dos cortes de verbas na educação e a definição de que as universidades federais são palco de "balbúrdia".
 
No microfone, o ministro disse que estava ali com a família e que os jovens tentavam humilhá-lo na frente dos filhos. Passou a fazer uma série de críticas à esquerda e bateu boca com alguns frequentadores. Um deles, com um cocar, tomou o microfone para dizer que estava em sua terra e que Weintraub devia respeitá-lo. Com outro microfone, Weintraub começou a gritar que era "descendente de índio, descendente de negro, eu sou mais brasileiro, igual a qualquer um aqui". "Não é porque você está com cocar que você é mais brasileiro do que eu, seu safado", gritou o  ministro, apontando para o cidadão e, já com uma das filhas no colo, se retirando do local com a família.
 
Em sua página no Facebook, a ONG publicou uma nota na qual diz que, "logo após a entrega do prato típico e dos cartazes, os jovens do Engajamundo foram TODOS imediatamente embora do local". A seguir, continua o texto, "pessoas que circulavam ali se reuniram em clara manifestação contra o ministro, o que resultou em uma discussão com ativistas locais, principalmente quando o ministro se levantou e foi em direção ao microfone".

"Parcerias", patrocínios, cursos pagos etc.

Além do bate-boca, Weintraub também frequenta o noticiário nesta terça (23/7) com a entrevista publicada pelo portal Uol na qual defende o projeto "Future-se", que o Ministério da Educação (MEC) lançou na semana passada. O nome do programa, por sinal, não prima pela originalidade: em 2016 seu registro foi pedido no Instituto Nacional de Marcas e Patentes por uma empresa de coaching de carreira da cidade de Nova Friburgo (RJ). A concessão do registro saiu em março do ano passado. 
 
Na entrevista à jornalista Ana Carla Bermúdez, do Uol, Weintraub afirma que o "Future-se" foi recebido de modo "bem positivo" – resta saber por quem, uma vez que a maior parte dos comentários publicados na imprensa e nas mídias sociais dificilmente poderia ser classificada dessa forma. "Por enquanto, eu não vi nenhuma crítica técnica que pare de pé um minuto diante do plano apresentado", diz, no entanto, o ministro. "Quando aparece alguma crítica, ela tende a ter mais uma visão geral de que isso seria o fim da universidade pública no país e a privatização das federais. Que, numa primeira análise muito simples, a gente vê que é mentira, que a gente não está acabando com a universidade pública e muito menos privatizando. Estamos, sim, dando mais liberdade."
 
Um dos principais pontos do projeto – a possibilidade de que as instituições federais de ensino superior celebrem contratos com Organizações Sociais (OS) – foi abordado com destaque na entrevista. O ministro afirmou que as OS vão atuar especialmente em "parcerias" e que há "um zilhão de coisas" que elas poderão fazer: "Através de cobrança de curso de pós-graduação, de parceria, de patrocinador. Através de patronos", exemplificou. De acordo com Weintraub, de 30% a 80% dos recursos das universidades da América do Norte e da Europa são oriundos "de captação de recursos da iniciativa privada", e é nesse modelo que o "Future-se" busca inspiração.
 
O ministro também deixa claro que as OS poderão contratar professores – inclusive na graduação -, seguindo o formato da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que gerencia hospitais universitários. "A gente não está inventando a roda. A gente está trazendo uma série de ideias que tem lá fora, adaptando a legislação brasileira e as características brasileiras, modernizando alguns aspectos e implementando. A Ebserh é exatamente esse modelo. (…) Todo mundo quer virar hospital universitário e entrar debaixo do guarda-chuva da Ebserh", considera.
 
Weintraub ressalta que para os professores concursados nada muda. "Continua concursado, continua mantido, continua absolutamente como está. Quero trazer um professor de Harvard para dar aula durante um tempo. A OS permite fazer isso. Quero contratar uma pessoa via CLT. A OS permite fazer isso, como o modelo da Ebserh permite fazer isso. Mas o modelo da Ebserh não transforma o funcionário em um funcionário da iniciativa privada. É simplesmente o modelo da contratação", compara.

"Produção que presta" e "boa vontade"

De acordo com o ministro, o critério para a distribuição dos recursos do "Future-se" será a "produção acadêmica que presta". "Veja, a produção acadêmica tem que ter alguma citação, tem que ter alguma consequência, não só o papel escrito e timbrado. O paper tem que ser publicado em uma revista ranqueada, não pode ser em uma revista desprestigiada", prossegue a weintraubiana digressão.
 
Repetindo o que salientou no lançamento do programa, o ministro diz na entrevista que "o projeto permite um maior grau de liberdade para você buscar essa fluidez com a sociedade. E não ser a torre de marfim que hoje ela é". O "ela", embora não fique claro na rebuscada formulação, provavelmente significa universidade.
 
Continua o ministro de Bolsonaro: "Isso tem que ser um ambiente onde todo mundo consiga entrar, discutir. Um padeiro, por que não, entrar em uma universidade e discutir uma levedura nova para o pãozinho dele na padaria. Isso é uma coisa que uma startup de um estudante de química ou biologia pode ajudar. É isso que a gente quer, que um padeiro pense 'pô, eu estou querendo desenvolver uma coisa nova, vou dar um pulo lá na federal'. Uma costureira vai dizer, 'ouvi falar de um tecido mais resistente a calor, ou que muda de cor, vou lá na federal ver o que posso fazer'. E ela vai chegar nas incubadoras, vai falar com os alunos e o aluno vai chamar um professor para tentar ajudar." 
 
Essa "boa vontade" virá, no mundo maravilhoso do empreendedorismo do "Future-se", porque, "se der certo, eles vão ganhar dinheiro com isso. O professor e o aluno. Separando o quê? O joio do trigo". Bingo!
 
O "Future-se" está em consulta pública na internet até o dia 7/8.
 

EXPRESSO ADUSP


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