Profissionais do Emílio Ribas se mobilizam por contratação de pessoal e fim da terceirização

Profissionais do Instituto de Infectologia Emílio Ribas têm protagonizado uma mobilização para denunciar os problemas vividos no hospital, que vão da defasagem de recursos humanos e falta de contratações por concurso público até a ameaça de crescente terceirização dos serviços, com mais setores entregues à Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).

Eder Gatti (à esq.) em manifestação em frente ao Emílio Ribas em 25/11
Equipe do hospital na Avenida Dr. Arnaldo: pedido de "socorro"

Organização Social de Saúde (OSS) supostamente “sem fins lucrativos”, a SPDM já abocanhou a gestão de dezenas de hospitais e unidades de saúde em São Paulo e vem expandido sua atuação para outros Estados, como Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em 2018, a CPI das OSS realizada pela Assembleia Legislativa (Alesp) constatou que a SPDM foi a entidade que mais recebeu recursos do governo estadual paulista entre 2013 e 2017. Dos R$ 28 bilhões em verba pública estadual repassada às OSS nessse período, a SPDM arrecadou nada menos do que R$ 5,818 bilhões, ou 23% de todos os recursos (vide p. 35 e 36 do relatório final da CPI).

Nas mídias sociais, a campanha #EmilioRibasporinteiro é uma das frentes da mobilização da(o)s profissionais do instituto, que têm promovido paralisações e manifestações em frente ao hospital, na vizinhança da Faculdade de Medicina da USP, e também requereram a intervenção do Ministério Público (MP-SP) para analisar a situação do Emílio Ribas e intermediar conversas com a administração e representantes do governo Doria-Garcia (PSDB).

No último dia 25/11, com chamamento feito pela Associação dos Médicos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (AMIIER), funcionária(o)s, pacientes e movimentos sociais realizaram um ato que partiu da frente do hospital e se dirigiu até a sede da Secretaria Estadual da Saúde para cobrar do secretário Jean Gorinchteyn a abertura de concursos públicos para contratação de pessoal. Uma paralisação já havia sido realizada no dia 15/10.

O último concurso público foi realizado em 2015. De acordo com a(o)s profissionais, a defasagem total no instituto é de 258 funcionária(o)s, sendo 45 médica(o)s das diversas especialidades. O diretor clínico do hospital, Wladimir Queiroz, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo que desde 2015 o Emílio Ribas perdeu mais de 40 médica(o)s por aposentadoria, morte e outros afastamentos. Atualmente, afirmou Queiroz, o instituto conta com pouco mais de 120 leitos disponíveis para internação, dos quais praticamente a metade é terceirizada pela SPDM.

A principal preocupação do movimento é que novas áreas serão entregues no primeiro semestre de 2022 — fruto de obras concluídas com atraso superior a cinco anos —, e o Emílio Ribas terá 56 leitos a mais, ampliando de forma significativa o atendimento.

“A grande questão é como o hospital vai colocar essas áreas para funcionar sem fazer concurso público e contando que hoje estamos com recursos humanos extremamente enxutos”, disse Eder Gatti, presidente da AMIIER e ex-presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), em live promovida pelo Coletivo Butantã na Luta no último dia 2/12.

Terceirização é feita em etapas e fragmenta os serviços

Desde o início das obras de ampliação, que começaram em 2014 e deveriam ter sido concluídas em 2016, o hospital ficou com parte das instalações fechadas. Uma das áreas novas, com 20 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), estava equipada e pronta para funcionar desde 2019, mas permanecia inativa por falta de pessoal, relatou Gatti. Com a pandemia de Covid-19, nos primeiros meses de 2020, a contratação da SPDM foi a forma encontrada para colocar o setor rapidamente em funcionamento.

Mesmo durante a pandemia, o movimento seguiu pressionando a administração para realizar concursos públicos. “Precisamos colocar todos os leitos para funcionar com profissionais contratados”, defendeu.

Na avaliação de Gatti, o governo do Estado terceiriza os serviços de forma escalonada, até que se “tome” o hospital inteiro. “Começa na UTI, amanhã são as enfermarias, depois o Pronto-Socorro. A tática que o governo utiliza é de fazer o processo de forma blocada, com um contrato para cada serviço. Assim, vai-se quebrando o hospital, fragmentam-se os serviços, dificulta-se o diálogo interno e se fragmenta também a relação dos trabalhadores”, definiu. Esse processo, disse, vem ocorrendo nos últimos anos em vários hospitais de diferentes municípios.

O médico ressaltou que a luta não é contra os trabalhadores das OS, mas contra o modelo. Os prejuízos que a terceirização causa são de várias ordens, considera Gatti. Um deles é que as equipes chegam “cruas” num determinado setor, sem conhecer a sua dinâmica e sem estarem integradas aos demais setores, o que prejudica a qualidade do trabalho. Como em geral os contratos são por tempo determinado, as equipes são trocadas periodicamente e tudo recomeça do zero.

Enquanto profissionais como enfermeira(o)s e técnica(o)s são contratados pela OS, a(o)s médica(o)s atuam como pessoa jurídica, num processo crônico de “pejotização” que vem se aprofundando desde a promulgação da reforma trabalhista no governo Temer.

O modelo funciona geralmente da seguinte forma: um médico constitui uma empresa, assina contrato com a OS e fica responsável por organizar a escala de trabalho do hospital. Para fazer isso, subcontrata outra(o)s médica(o)s – também via CNPJ, e não como pessoas físicas, o que é feito “para escamotear a relação de trabalho e não pagar imposto”, explicou Gatti.

“Como isso não é privatização?”, perguntou. “Você tem uma estrutura pública na qual se coloca uma entidade de direito privado que teoricamente não deveria lucrar, mas que cede serviços para uma empresa lucrar lá dentro.”

O processo de desmantelamento é sistêmico, considera Gatti, e faz parte dos ataques dos governos estadual e federal ao Sistema Único de Saúde (SUS). “A política do neoliberalismo tem a prática perversa de aparelhar a máquina pública para que ela se transforme em oportunidade de negócios. Um serviço público é mercantilizado ao máximo para gerar dinheiro”, afirmou.

Serviço tem alta rotatividade, qualidade ruim e falta de controle, considera médico

Entre os prejuízos desse modelo está a alta rotatividade de profissionais e a falta de vínculo e comprometimento em atividades como pesquisa e formação de residentes. “Ser efêmero é uma característica dos contratos com as OS. Estamos retirando um serviço que tem um contínuo de formação de residentes, de produção de conhecimento e de oferta de serviço de qualidade para dar lugar a algo efêmero, que tem tudo para prestar um serviço de qualidade ruim e sem controle algum do Estado”, afirmou.

De acordo com Gatti, sequer a diretoria clínica conhece a relação e a escala exata da(o)s plantonistas. “Ninguém sabe, o Estado entregou para essas OS e não quer nem saber”, enfatizou. Para piorar, os dados sobre atendimentos não são confiáveis, porque as próprias OS produzem os relatórios e se “autofiscalizam”, teoricamente cumprindo as exigências contratuais de números de prestação de procedimentos e atendimentos.

“O serviço é ruim porque as condições do modelo impõem isso, o que se reflete na população que depende dessa assistência. A vida das pessoas está em jogo, e isso é uma coisa muito séria”, alertou.

Gatti lembrou que o Emílio Ribas é um polo de pesquisa e de formação de especialistas em infectologia — as turmas de 60 residentes passam três anos na instituição. “No surgimento da epidemia de HIV/Aids, no início da década de 1980, ninguém sabia o que era o HIV, e as pessoas no instituto foram aprendendo no dia a dia”, relatou. “Produziam conhecimento para elas mesmas e para o mundo, e o serviço foi se qualificando.”

Gatti ressaltou que o movimento em defesa do Emílio Ribas se espelha muito na atuação do Coletivo Butantã na Luta (CBL) em prol do Hospital Universitário (HU) da USP. Durante a live, representantes do CBL citaram momentos importantes dessa trajetória, que incluiu a entrega de um plano de recuperação plena do HU ao presidente do Conselho Deliberativo do hospital em junho deste ano. O projeto também foi entregue às duas chapas que concorreram à Reitoria da USP.

Mario Balanco, da coordenação do CBL, lembrou que as OS foram contratadas para construir hospitais de campanha nos primeiros meses da pandemia, investimento que não deixou nenhum legado porque esses hospitais foram desmontados. Afirmou também que o orçamento da cidade de São Paulo destina cerca de R$ 14 bilhões à área da saúde em 2022, sendo que mais de 60% desse valor serão repassados à SPDM.

Santana Silva, que também integra a coordenação do CBL, ressaltou que, das 15 unidades básicas de saúde da região oeste de São Paulo, 14 são administradas pela SPDM.

Contrato com OS na pandemia “não é o modelo que queremos daqui para a frente”, afirma diretor

O Informativo Adusp enviou perguntas à assessoria de Imprensa do Instituto Emílio Ribas sobre a possibilidade de realização de concursos públicos para contratação de pessoal em 2022, o número atual de profissionais contratados e daquela(e)s vinculada(o)s à SPDM e o valor dos repasses anuais da instituição à OS. Até a tarde desta sexta-feira (10/12), a assessoria não havia respondido.

Em entrevista concedida em outubro à Folha de S. Paulo, o diretor técnico do hospital, Luiz Carlos Pereira Júnior, disse que a única forma de aumentar o número de leitos e dar conta da demanda na pandemia de Covid-19 foi fazer o contrato com a SPDM. “Não é o modelo que serve de exemplo ao que queremos daqui para a frente”, disse ao jornal.

De acordo com Pereira Júnior, o instituto negocia duas possibilidades com a Secretaria da Saúde: abertura de concurso público ou contratação de novos serviços via OS. “Qualquer contratação deverá acontecer baseada nos três principais eixos assistenciais do Emílio. Quem vier vai entender que estarão aqui para cumprir a missão de fazer assistência, ensino e pesquisa. Isso é o mais importante, independente do regime jurídico”, declarou.

EXPRESSO ADUSP


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