Funcionários dos institutos de pesquisa vinculados à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente denunciam neste artigo arbitrariedades na constituição do novo IPA, ao fundir o Instituto Florestal, extinto pela Lei 17.293/2020 (ex-PL 529/2020) apresentada à Alesp pelo governador João Doria (PSDB), com o Instituto Geológico e o Instituto de Botânica. “À revelia do debate com a comunidade científica”, relatam, o governo ignorou propostas dos representantes desses três destacados institutos públicos de pesquisa — “e desenhou a nova unidade através da colaboração de técnicos de gabinete”. Preservaremos a identidade dos autores para evitar eventuais retaliações

Há muito o Estado de São Paulo não dispõe de uma política construtiva para o meio ambiente e seus Institutos de Pesquisa (IPs). Em 2019 a Secretaria de Meio Ambiente foi rebaixada a uma subsecretaria dentro da recém-criada Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), numa sinalização clara de que a proteção ambiental no Estado de São Paulo não seria prioridade desse governo.

O governo, por meio da Lei 17.293/2020, promoveu a extinção de três institutos de pesquisa da SIMA (Institutos de Botânica, Florestal e Geológico) com argumento puramente economicista, sem qualquer espécie de debate e consulta às comunidades científicas nacional e internacional. Essa arbitrariedade se deu sem qualquer espécie de estudo prévio e planejamento, e travestido do argumento de falsa redução fiscal, pois, no caso específico do Instituto Florestal, trata-se de um IP superavitário, que obtêm recursos oriundos do desenvolvimento de suas atividades de pesquisa e produção de madeira e resina e, com isso, preserva a maioria das áreas especialmente protegidas (AEPs) do sistema ambiental paulista.

À revelia do debate com a comunidade científica e sob o subterfugio da criação de grupo de trabalho composto por representantes dos três IPs, para discussão da estrutura da nova organização, o governo ignorou proposições oferecidas por estes representantes e desenhou a nova unidade através da colaboração de técnicos de gabinete, desprezando o fato de que estes IPs foram construídos e consolidados durante décadas por pesquisadores.

Esses burocratas não ignoraram somente os pesquisadores dos IPs, ignoraram, de igual forma, organismos instituídos pela própria secretaria. No ano de 2014, foi instituído pela então Secretaria de Meio Ambiente o Sistema de Informação e Gestão de Áreas Protegidas e de Interesse Ambiental do Estado de São Paulo (Sigap), que é o “instrumento de planejamento, de integração e de publicidade das ações do Poder Público visando assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Após a edição da Lei 17.293/2020, o subsecretário de Meio Ambiente solicitou ao colegiado do Sigap estudos sobre os impactos gerados pela aprovação da lei. O Sigap por meio da Recomendação 009/2020 apresentou uma série de alternativas que poderiam ter sido adotadas e que permitiriam manter a continuidade e a qualidade das pesquisas científicas dentro realizadas pelos Institutos.

A questão da incerteza funcional não é notícia nova para os funcionários do Instituto Florestal que, desde a instituição do Sistema Estadual de Florestas – Sieflor I (Decreto 51.433/2006), enfrentam desrespeitos e desmandos por parte dos dirigentes. Sob a maquiagem de um convênio, celebrado somente no ano de 2018, entre a Fundação Florestal e o Instituto Florestal, procurou-se equacionar pequenas questões funcionais relacionadas ao recebimento de diárias e autorização para a condução de veículos oficiais. Questões estas pouco representativas dentro do universo que abrange o desenvolvimento das atividades desses profissionais, que desde a edição do primeiro decreto do Sieflor desenvolvem suas atividades em situação funcional irregular.

São irregularidades que o governo agora pretende perpetrar através da criação desse novo instituto, com o remanejamento de outros funcionários dos três IPs para atendimento das demandas da Fundação Florestal, que não dispõe de quadro funcional próprio suficiente para o desenvolvimento dessas atividades.

Imediatamente após a promulgação da Lei 17.293, o governo editou o Decreto 65274, conhecido por Sieflor III. Esse decreto transferiu à Fundação Florestal a gestão de várias AEPs, como Reservas Biológicas e Estações Ecológicas, Florestas Estaduais e outras áreas de pesquisa (Estações Experimentais, Hortos, Viveiros Florestais). Não sendo o bastante, até as sedes dos Institutos de Botânica e Florestal foram transferidas para a gestão da SIMA devendo ficar, provavelmente, sob a administração da Coordenaria de Parques e Parcerias (CPP).

Sieflor III afronta a lei 17.293 e sequer foi analisado pelo Consema

O Sieflor III contraria frontalmente o artigo 64 da Lei 17.293. A alínea “a” do inciso I desse artigo determina que as atribuições e atividades de pesquisa do Instituto Florestal, então extinto, devem ser transferidas à nova unidade administrativa formada pela junção dos Institutos de Botânica e Geológico. As AEPs e áreas de pesquisa transferidas à Fundação Florestal são intrínsecas e essenciais às atividades de pesquisa, produção e geração de conhecimento, educação ambiental e uso público. O próprio colegiado do Sigap já asseverara que a gestão dessas AEPs deve permanecer como atribuição do Instituto Florestal e, com a extinção deste, deveriam ficar sob a gestão da nova unidade administrativa a ser criada, integrando os Institutos de Botânica e Geológico.

Haverá, portanto, perda gerencial com reflexos diretos na produção científica e na conservação das AEPs, pois a solução adotada pela SIMA foi enviesada e contra as boas práticas da Ciência. Complementarmente, além de afrontar plenamente a Lei 17.293, o Sieflor III sequer foi analisado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), órgão máximo deliberativo e normativo do Sistema Ambiental Paulista.

A eficiência na gestão ambiental depende de conhecimentos científicos específicos e o IF conta com pesquisadores científicos e outras carreiras que atuam na pesquisa, concentrados nas áreas de conservação, manejo e produção florestal, educação ambiental e uso público. As pesquisas realizadas pelo IF geram conhecimentos técnico-científicos que têm sido fundamentais para dar suporte às políticas públicas do estado de São Paulo.

Cumpre observar que na formação de cientista é inerente o uso de método científico na busca de novos conhecimentos, o que compreende atitudes obrigatoriamente proativas e constantes reformulações. Em ciência nada é tido como acabado, estagnado ou imutável. Os pesquisadores científicos e demais profissionais dos três institutos estão imbuídos desses ensinamentos, que aplicam em suas vidas e destacadamente nas suas atividades no trabalho. Tiram da história e da sua vivência, a partir do rigor científico, sua percepção de que políticas públicas podem ajudar no desenvolvimento da ciência e manejo da natureza, ou prejudicar e mesmo desmantelar a evolução de instituições públicas.

Além de funcionários experientes, os Institutos possuem pesquisadores e outros profissionais que elaboram, entre outras coisas, os planos de manejo e realizam pesquisas em unidades de conservação, voltadas para a conservação e o manejo do Cerrado e da Mata Atlântica, fornecendo o embasamento técnico e científico para a gestão dessas unidades, não só do Estado de São Paulo mas do país.

O Instituto Florestal representa valor ímpar para a sociedade paulista e necessita ser apoiado e fortalecido em suas missões. A proposta em voga coloca em risco a própria essência da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente.

Proposta da SIMA reduz 54 núcleos de pesquisa dos atuais institutos a apenas 4!

A proposta do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) apresentada pela SIMA está desequilibrada. Não se mostra viável do ponto de vista gerencial e operacional. Favorece atividades-meio em detrimento de atividades de pesquisa e está promovendo a sua completa desestruturação, ao reduzir a estrutura destinada à produção científica de 54 núcleos/seções dos atuais Instituto de Botânica, Florestal e Geológico para somente quatro núcleos de pesquisa! A quase totalidade dos funcionários será alocada nesses quatro núcleos causando a superlotação e distribuição desigual dos servidores. Tudo isso somado acarretará graves problemas práticos de gerenciamento, tanto de recursos humanos quanto das atividades de pesquisa e serviços prestados.

Também desestrutura a pesquisa regional, ao extinguir as 17 seções regionais. Essas estruturas organizacionais regionalizadas permitem que esses institutos realizem pesquisas, prestem serviços e promovam benefícios para a população do interior e litoral paulistas, mediante o trabalho de 445 servidores do Instituto Florestal e 10 do Instituto de Botânica, em municípios localizados nas regiões administrativas de Bauru, Barretos, Campinas, Franca, Marília, Registro, Ribeirão Preto, Santos, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São Paulo e Sorocaba.

O termo extinção de forma alguma comporta a conotação de reforma. Significa, de fato, o fim do Instituto Florestal. Mas a SIMA foi além. Estendeu na prática a extinção aos Institutos de Botânica e Geológico, extrapolando o que prevê o artigo 64 da Lei 17.293/2020. O gabinete da SIMA deveria ter considerado as propostas dos servidores e mantido as identidades dos três institutos e parte da estrutura atual. Nada mais arcaico que destruir o que existe a título de se construir “algo novo”! Isso apaga nossa identidade, e assim o país e a sociedade brasileira estão sempre reféns de importar conhecimentos e culturas que pouco ou nada tem relação com a nossa realidade. Esse é um traço nefasto dos atuais governos ao não preservarem seu patrimônio científico, nem seu patrimônio histórico-cultural. Essa cultura de destruir e construir sobre os escombros, esta sim é “velha”.

Os pesquisadores possuem uma visão orgânica da construção científica e do manejo ao integrarem a pesquisa e a administração nas áreas protegidas. Executam o manejo das áreas experimentais, de pesquisa, produção e conservação com embasamento científico e técnico. Na prática, o manejo continuará com os funcionários do Instituto Florestal, pois a Fundação Florestal não possui funcionários suficientes para isso. Já não tem pessoal suficiente para a administração de 102 áreas protegidas, o que já faz com dificuldade e limitações, dependendo do uso do artifício de se colocar cargos comissionados em vez de funcionários aprovados em concurso público ou processo seletivo, e vigias terceirizados, em vez de guarda-parques, expondo-os a riscos desnecessários e à morte.

O Instituto Florestal possui 455 funcionários alocados nessas áreas para essa função. Destes, 284 estão nessas 51 unidades que o Decreto do Sieflor III transferiu para a administração da FF e 161 que já estavam nas outras 102 áreas, transferidas pelo Decreto Sieflor I. Com isso, quem está presente em campo, cuidando das áreas protegidas do Estado de São Paulo, continua sendo o corpo funcional do Instituto Florestal, sem receber o mérito, ou o reconhecimento por isso. Não se trata de parceria, é apropriação indevida de áreas e atribuições de pesquisa que deveriam ficar a cargo do novoInstituto de Pesquisa, de acordo com o artigo 64 da Lei 17.293/2020.

O Decreto 65.274/2020 que passou essas áreas para a FF está em desacordo com o artigo 272 da Constituição do Estado de São Paulo, uma vez que previamente à edição do decreto não houve a audiência com a comunidade científica, nem a análise e aprovação do Consema. Também está em desacordo com o artigo 64 da Lei 17.293/2020, que manteve as atribuições de pesquisa científica do Instituto Florestal e sua absorção pela união administrativa do Instituto de Botânica e Geológico, para a criação do novo instituto da SIMA.

Institutos de Botânica, Florestal e Geológico possuem 750 servidores públicos concursados

Os funcionários dos Institutos de Botânica, Florestal e Geológico não serão demitidos. Porém, isso não é concessão do governo. As carreiras de pesquisador científico, de apoio à pesquisa, assim como outras serão mantidas por previsão legal. Os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico possuem cerca de 750 servidores públicos concursados. As carreiras desses Institutos são estatutárias, compostas por funcionários efetivos. Havia somente 10 cargos comissionados — e seus ocupantes foram todos demitidos há poucos dias e em plena pandemia. Diferentemente da Fundação Florestal que possui mais de 100 cargos comissionados, de livre provimento, sendo que muitos destes estão à frente da administração de áreas protegidas. Estes sim podem ser demitidos a qualquer momento, o que torna a FF um órgão vulnerável. Cargos de livre provimento possibilitam a alta rotatividade de funcionários e o aparelhamento político da FF como já ocorreu no passado recente.

As pesquisas dos três institutos destacam-se por dar sustentação na área ambiental às políticas públicas do Estado de São Paulo. Já fazem isso desde a concepção da Secretaria do Meio Ambiente, em 1986. Essas instituições trabalham para a sociedade. As pesquisas científicas geram conhecimento para a formulação de políticas públicas. Um exemplo é a biodiversidade. O Instituto Florestal criou o Sistema de Áreas Protegidas do Estado de São Paulo e a quase totalidade de unidades de conservação existentes. Elaborou os primeiros planos de manejo e, junto com o Instituto de Botânica, fornece as bases, os parâmetros e a sustentação quando se fala em conservação da biodiversidade no âmbito da SIMA.

Sem os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico não se poderia falar em Inventário Florestal do Estado de São Paulo, Lista de Espécies Ameaçadas, Zoneamento Ecológico-Econômico, Restauração Ecológica, Manejo Florestal, mudanças climáticas, Mapas de Risco, Planos de Manejo e muito mais. Tudo isso é produzido por esses institutos de pesquisa. É estratégia do opressor não reconhecer o valor do oprimido. Esta estratégia de dominação se vê no ambiente funcional e institucional da SIMA, ao negar o valor e a importância das instituições e de seus servidores, para justificar o indefensável: a extinção dos três Institutos e a criação do IPA.

A proposta final do IPA foi imposta aos funcionários dos atuais Institutos de Botânica, Florestal e Geológico. Representantes desses Institutos tiveram poucas oportunidades de participar da construção da minuta de decreto e organograma que vieram prontos, sendo aceitas poucas alterações. Perdeu-se a oportunidade de se melhorar a proposta ao não considerar as observações dos servidores.

Um sistema de ciência e tecnologia é construído paulatinamente; tem estreita relação com a história e é uma elaboração coletiva. Qualquer interferência nele, ou nas instituições, pode trazer grandes prejuízos. Todo esse contexto deve ser considerado na criação de uma instituição de pesquisa. É tarefa complexa.

A estrutura atual dos três institutos reflete o caminho natural do desenvolvimento da Ciência. A concepção do Instituto de Pesquisas Ambientais deve refletir aquilo que foi construído por essas instituições centenárias, e necessita ser realizada com apoio e experiência de seus servidores.

É necessário que o debate seja ampliado com a comunidade científica, que ela seja verdadeiramente ouvida; que a proposta do novo Instituto seja submetida à análise e aprovação pelo Consema; que seja construída com visão ampla e auxilie a própria Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente a enxergar suas origens e sua missão; e mantendo o protagonismo que os Institutos de Botânica, Florestal e Geológico ocupam desde sua criação, ao propor, nortear e criar ações e políticas públicas ambientais do Estado de São Paulo.

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