Uma proposta de alteração do Regimento de Pós-Graduação da USP (Resolução CoPGr 7.493/2018), de modo a reduzir a apenas 50% a oferta mínima de créditos correspondentes a disciplinas presenciais dos programas de pós-graduação (PPGs), foi retirada de pauta depois de ser repelida pelas representantes discentes na reunião de 15 de junho último da Câmara de Normas e Recursos (CaN) da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG). No dia 19 de julho, uma assembleia da Associação dos Pós-Graduandos da USP-Capital endossou a posição das representantes discentes e reiterou a rejeição às alterações pretendidas.
 
A proposta foi apresentada por um Grupo de Trabalho, até agora composto exclusivamente por docentes, oficialmente incumbido de propor alterações nos artigos 72 e 91 do Regimento da Pós-Graduação (que tratam do exame de qualificação e das defesas de mestrado e doutorado) e de criar uma resolução a respeito de disciplinas remotas, intitulado “GT Bancas e Disciplinas Remotas”.
 
De acordo com a minuta de resolução submetida à CaN, com vistas à posterior apreciação da proposta pelo Conselho de Pós-Graduação (CoPGr), seriam acrescentados incisos ao artigo 62 do Regimento da Pós-Graduação, com o seguinte teor: “III – Um Programa de Pós-Graduação deve oferecer no mínimo 50% dos créditos em disciplinas presenciais a cada período (semestre ou similar) letivo; IV – O aluno deve realizar no mínimo 50% dos créditos exigidos em disciplina na forma presencial”.
 
Nos seus considerandos, a minuta define disciplina presencial como “aquela em que alunos regularmente matriculados no Programa e a(o)[s] docente(s) responsável(is) estão fisicamente na sala de aula da Unidade onde o Programa de Pós-Graduação (PPG) está localizado”, e disciplina remota como “aquela em que os alunos regularmente matriculados no Programa e a(o)[s] docente(s) responsável(is) não estão fisicamente no mesmo local”. Embora a proposta não deixe explícito, o resultado óbvio da mudança é permitir que até 50% dos créditos dos PPGs sejam oferecidos na forma de disciplinas remotas.
 
As três representantes discentes da Pós-Graduação presentes à reunião da CaN, Amanda Harumy Oliveira, Júlia Guimarães Sanches e Jéssica Dequini dos Santos, relataram ao Informativo Adusp que se surpreenderam com o fato de que uma proposta desse tipo, com tamanhas implicações, tenha sido incluída na pauta quase às escondidas, “na surdina”, sem debate prévio com o(a)s pós-graduando(a)s. Elas esclarecem que não se opõem ao oferecimento de disciplinas remotas, desde que seja justificado, pontual e num percentual que não ameace a qualidade do ensino.

GT sem representação discente, proposta mal feita, texto confuso

“Fomos surpreendidas com um tema tão importante sendo colocado como subitem da pauta. Questionamos desde o início que o processo estava muito mal feito, muito mal explicado”, declara Amanda Harumy, doutoranda do PPG em Integração da América Latina (Prolam) e coordenadora-geral da APG Capital. “O GT criado para debater as disciplinas remotas não tinha representantes discentes, então a gente questionou isso, porque não fomos consultadas nem chamadas para participar desse GT. Somos ativas, não faltamos às reuniões, e se fôssemos convocadas estaríamos lá”, protesta.
 
“Também questionamos que o texto estava muito confuso, na realidade da forma como está escrito ele está regulamentando a disciplina presencial [e não a disciplina remota]. Não está sendo apresentada metodologia, se vai ter um processo de formação dos professores, e o ponto mais grave é que essa porcentagem de 50% está sendo colocada sem nenhuma justificativa”. Além de não ter havido o necessário debate com o corpo discente (e nem com o corpo docente), outro ponto levantado contra a proposta na reunião, conforme Amanda, foi que a comunidade acadêmica já rechaçou a iniciativa da Capes de pós-graduação stricto senso à distância.
 
“Pedimos a retirada de pauta, e nos comprometemos a fazer o debate com a nossa base. Fizemos uma assembleia com o[a]s pós-graduando[a]s e um riquíssimo debate com pessoas da educação e de diversas áreas. Nosso posicionamento é: ‘50% de disciplinas remotas, não’. Então a gente rechaça a proposta de 50% porque ela não tem justificativa, é uma porcentagem que impacta muito o modelo de pós-graduação”. Por decisão da assembleia, está sendo elaborada uma carta com a posição da APG-Capital sobre essa questão.
 
Júlia Sanches, mestranda do PPG em Engenharia Mineral da Escola Politécnica (PPGEMin), enfatiza a surpresa provocada pela proposta em uma reunião que a princípio se anunciava tranquila. “No meio da tentativa de alteração do Regimento para autorização de defesas remotas, tinha essa alteração regulamentando que os alunos possam ter até 50% dos créditos em disciplinas remotas. Não foi debatido, o GT que estava discutindo isso não tinha nenhum representante discente, e quando a gente viu começamos a questionar qual era o parâmetro deles, como chegaram a esses números. E era isso: um GT que não fez nenhum estudo aprofundado, eram só professores discutindo o interesse do programa deles”. O que as pós-graduandas ouviram como resposta dos integrantes do GT, segundo seu relato, foi que “nossa opinião provavelmente não era a dos alunos, que a gente não estava entendendo, era sempre esse o discurso”.

Índice de 50% não tem embasamento científico, diz pós-graduanda

No seu entender, a assembleia da categoria realizada em 19/7 propiciou uma discussão “muito rica, muito ampla”, que reforçou a posição tomada por suas representantes na CaN. “Uma coisa que a gente discutiu bastante foi como está escrito isso [a minuta], como está redigido. Porque da forma como está, o que parece é que estamos regulamentando o ensino presencial: ‘O aluno deve ter pelo menos 50% de crédito presencial’, muito vago assim. Não tem nenhum embasamento científico para esse número”, prossegue Júlia.
 
A aluna do PPGEMin considera “assustadoras” as informações prestadas na CaN por docentes do GT, segundo as quais alguns PPGs queriam percentuais de oferta de créditos, para o conjunto de disciplinas remotas, superiores a 50%, e uma das unidades chegou a propor 100%. “Isso não pode acontecer. A gente está sucateando a carreira dos docentes, porque vai ser um docente para maior quantidade de alunos. A gente não pode sucatear a nossa pós-graduação”.
 
Também a presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, entende ser altamente preocupante a proposta apresentada à CaN. “Os cursos de pós-graduação foram pensados e aprovados nas várias instâncias, dentro e fora da USP, como presenciais, com um rol de disciplinas cujos conteúdos programáticos foram pensados para serem aplicados presencialmente. Independentemente da nossa posição quanto ao ensino à distância (EAD), não podemos banalizar sua aplicação, que depende de formação docente e projeto”, pondera ela. “EAD está longe de ser a criação de uma sala virtual numa plataforma comercial, com transferência de estratégias didáticas que usaríamos no chão da sala de aula para ambientes virtuais. É por isso que fomos enfática(o)s em usar a expressão ensino remoto emergencial (ERE) para nomear as práticas que fomos obrigada(o)s a utilizar durante os momentos mais críticos da pandemia”.
 
 Apesar de ter possibilitado “que continuássemos a realizar parte de nossas atividades discentes e docentes”, diz Michele, o ERE foi também motivo de adoecimentos e aumentou enormemente o volume de trabalho. “Se antes participávamos de uma banca, agora há colegas que participam de duas e até três bancas num único dia. Obviamente isso se coaduna com a lógica produtivista que impera nos processos de ‘avaliação’ vigentes. Dessa forma, concordo totalmente com as estudantes que essa [a proposta do GT de reduzir aulas presenciais] é mais uma estratégia de sucateamento da carreira docente — que não só pode ‘substituir’ docentes, mas comprometerá substancialmente a qualidade do ensino de pós-graduação”.
 

EXPRESSO ADUSP


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