Coletivo Butantã na Luta estuda ação judicial contra Vahan Agopyan por deixar de aplicar verba destinada ao HU

Reitoria não empregou no Hospital Universitário a quantia de R$ 48 milhões destinada pela Assembleia Legislativa, por emenda ao Orçamento de 2018, o que pode ensejar processo contra o reitor. Movimento prepara atos para combater planos de terceirização de serviços e para defender a reativação plena do HU em termos de atendimento e de seu papel na formação dos alunos de sete cursos e dez carreiras da saúde

Entidades e sindicatos preparam nova etapa de mobilização para a reativação plena do Hospital Universitário (HU), que sofre um processo de desmonte e precarização comandado pela Reitoria da USP desde a gestão de M. A. Zago (2014-2018). O movimento, coordenado pelo Coletivo Butantã na Luta, realizou reunião na noite desta terça-feira (2/7) no Centro de Saúde Escola do Butantã (CSEB), com a presença de representantes de várias organizações. De acordo com uma das lideranças do coletivo, Lester Amaral Júnior, uma vez que a USP e a Superintendência do HU não cumpriram o compromisso de apresentar um projeto de reestruturação do hospital, está na hora de o movimento defender o seu próprio plano.

“O quadro é que precisamos de um plano de luta neste novo momento. O recurso está aí e talvez a gente nunca tenha tido melhor possibilidade de poder avançar, mas só conseguiremos avançar se agirmos a partir de propostas concretas”, diz Amaral. O recurso ao qual ele se refere são os R$ 40 milhões destinados ao HU por outra emenda, aprovada pela Assembleia Legislativa (Alesp) no ano passado. A USP alegava que a verba só foi liberada no final de junho, mas ofício da Secretaria da Fazenda comprova que a liberação parcelada a partir do mês passado foi uma escolha da própria universidade.

Entre os fatos que configuram este novo momento, de acordo com o coletivo, está o encaminhamento de ofício do Ministério Público de São Paulo (MP) à Reitoria da USP e à Superintendência do HU para que respondam sobre a entrega do plano de reestruturação do hospital e a organização da triagem no pronto-socorro. O ofício foi entregue na quarta-feira da semana passada (26/4), com prazo de quinze dias para resposta.

Em dezembro do ano passado, a Reitoria constituiu um grupo de trabalho, liderado pelo superintendente do HU, Paulo Margarido, que teria noventa dias para apresentar ao MP o projeto de reestruturação. Em reuniões realizadas com representantes dos movimentos sociais e promotores no MP em fevereiro, março e abril deste ano, a USP não cumpriu o compromisso.

Fotos: Daniel Garcia  
Vahan Agopyan na CPI da Alesp

Comissão não apresenta projeto, mas toma decisões e esvazia o CD

De acordo com Adriano Favarin, representante do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) no Conselho Deliberativo (CD) do HU, a comissão constituída pela Reitoria não apresentou o plano, mas é de fato quem toma as decisões políticas no hospital. Com isso, o CD acaba esvaziado. “O conselho teria uma reunião nesta semana, mas a data foi alterada três vezes e acabou remarcada apenas para o final de agosto. Ou seja, vai ser implementada alguma política de reestruturação do hospital que passará por fora do CD”, denuncia.

Na reunião foram constituídas três comissões que vão organizar os próximos passos do movimento. A primeira vai redigir uma carta aberta à população, assinada pelo maior número possível de entidades, e uma manifestação dirigida aos membros do CD. A segunda vai tratar da organização de atos públicos e seminários para defesa do HU, enquanto uma terceira comissão vai avaliar quais medidas jurídicas podem ser tomadas contra o reitor da USP, Vahan Agopyan, por improbidade administrativa. No ano passado, por meio de emenda aprovada na Alesp, a universidade recebeu recursos de R$ 48 milhões oriundos dos royalties do petróleo para aplicação no HU – a USP, porém, utilizou os recursos na área previdenciária.

Entre outras ideias, os organizadores do movimento querem produzir vídeos nos quais personalidades importantes da USP falem em defesa do HU. A intenção é preparar uma mobilização forte para a primeira quinzena de agosto – apesar da consciência de que a participação cai no período das férias de julho. A próxima reunião do movimento, aberta a todos os interessados, foi marcada para quarta-feira (10/7) às 19h30, também no CSEB.

A tensão da “porta fechada” no principal hospital da região do Butantã

Um panorama das condições precárias de atendimento no hospital foi apresentado por Gerson Salvador, médico do HU e diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). De acordo com Salvador, o HU perdeu quase 30% dos seus profissionais com as duas edições do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), em 2015 e 2016. Atualmente, cerca de 25% dos seus serviços estão fechados, e a média mensal de atendimentos vem caindo progressivamente – de 16 mil, está em cerca de 4 mil na atualidade.

Um dos grandes pontos de tensão, segundo o médico, é a chamada “porta fechada”. “Quando o paciente chega, abre uma ficha e se submete ao médico, há um conflito porque, se não for caso de emergência ou risco de vida, é o médico que precisa falar para o paciente procurar outra unidade. As pessoas têm o direito de ser atendidas, mas nessa hora o porta-voz é o médico. Nem reitor nem o superintendente aparecem”, diz.

Uma das medidas adotadas recentemente pela USP foi a contratação, via Fundação Faculdade de Medicina (FFM, entidade privada dita “de apoio”), de 26 médicos para atender no HU. Para tanto, foram utilizados recursos do Hospital das Clínicas (HC) liberados pela Secretaria de Estado da Saúde. A entrada desses médicos, entretanto, não ampliou a capacidade de atendimento basicamente porque não havia plantonista para atender às intercorrências nos andares, explica Salvador. “Antes a gente tinha dois plantonistas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Quando havia intercorrência em algum andar, o médico descia para atender. Como deixamos de ter esse segundo elemento na UTI, não há como sair e fazer atendimento no andar”, diz.

Dezoito dos profissionais contratados pelo convênio foram encaminhados para a Clínica Médica. Destes, cinco já pediram demissão, relata o dirigente do Simesp. Entre as razões apontadas para as saídas estão exatamente a necessidade de ser “o porta-voz da porta fechada” e a baixa remuneração, em comparação com o que pagam as “organizações sociais de saúde” (OSS) para atendimento nas unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) da prefeitura de São Paulo, por exemplo.

“Os que ficam têm interesse em ser preceptores e querem começar a trabalhar com ensino. Mas esse modelo não tem condição de alimentar o médio e longo prazos”, considera. O médico também aponta para a redução dos atendimentos na UTI do hospital, que tem 20 leitos, dos quais apenas 12 estão ativos. Essa redução tem impacto no atendimento de toda a região oeste. Até 2014, a média de internações na região do Butantã, que era de 14 mil pessoas por ano, atualmente é de 11 mil. Portanto, esses 3 mil pacientes que constituem a diferença provavelmente têm buscado atendimento em outras áreas da cidade. “A região oeste não tem poucos leitos hospitalares, mas tem muitos privados e poucos públicos. A proporção de leito privado por habitante é muitas vezes maior do que a dos públicos.”

Representantes do Centro Acadêmico do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito) da Faculdade de Medicina denunciaram problemas como a perda de preceptores, as dificuldades no atendimento e as ameaças de que o curso perca a validação por falta de instalações adequadas (o Informativo Adusp vai voltar ao tema).

Sobrecarga de trabalho e planos de privatização

De acordo com Adriano Favarin, do Sintusp, está em curso um processo de desmantelamento de toda a estrutura assistencial da USP – creches, restaurantes, serviços das prefeituras, hospitais e centros de saúde – que não é apenas da gestão dos reitores Zago e Agopyan, mas tem o endosso do Conselho Universitário. A intenção é focar na terceirização ou entrega desses serviços para o Estado. No caso do HU, afirma, a visão do superintendente é favorecer a abertura da chamada “terceira porta” – ou seja: priorizar o atendimento a pacientes particulares, via convênios, para que o hospital priorize essa fonte de recursos.

A realidade dos trabalhadores do HU é de pressão e sobrecarga, com número crescente de pedidos de afastamento por motivos de saúde ou mesmo de demissão. “Isso faz com que os funcionários vejam a terceirização ou a contratação de pessoal via fundações ou ‘pejotização’ como uma forma de desafogar o trabalho. Parte da nossa tarefa no movimento é mostrar aos trabalhadores e também aos estudantes e à comunidade que essa saída a curto prazo não vai resolver a questão da sobrecarga, nem a do ensino ou do atendimento”, defende Favarin.

A professora Michele Shultz Ramos, vice-presidenta da Adusp, situou o caso do HU no contexto mais amplo dos planos de privatização em curso na universidade, citando as diretrizes do projeto “USP do Futuro”, da consultoria McKinsey&Company, e a recente decisão que permite o “compartilhamento” de instalações, laboratórios e pessoal da USP com empresas privadas. “E a responsável da McKinsey pelo ‘USP do Futuro’ era Patrícia Ellen, hoje secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado”, lembrou Michele, relacionando essa iniciativa com várias outras encaminhadas pelo governo de João Doria (PSDB).

“A especialidade internacional da McKinsey é preparar as empresas públicas para privatização”, completou João Zanetic, docente aposentado do Instituto de Física da USP e ex-presidente da Adusp. Além dele, Lighia Matsushigue, docente assistente colaboradora do IF, também participou do encontro.

Michele relatou ainda que, no último dia 28/6, participou de uma reunião com o superintendente do HU para conversar sobre questões da Unidade Básica de Saúde (UBAS) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. “Ele foi categórico quando disse que o projeto ali é de terceirização, porque os ‘Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da USP’ impediriam as contratações”, disse a professora.

“Não abrimos mão das contratações por concurso público para o HU”, declarou Mario Balanco, do Coletivo Butantã na Luta, para quem a lógica de precarização dos serviços públicos, especialmente na educação e na saúde, só atende aos interesses das OSS.

Ao depor na CPI das Universidades da Alesp, no último dia 24/6, o reitor foi questionado sobre o destino dos R$ 40 milhões da emenda para o HU em 2019. Vahan disse que metade da verba irá para custeio e a outra metade para recursos humanos, mas não deixou claro se a contratação será por concurso público: “Não posso fazer concurso público sem saber se no ano que vem os senhores e as senhoras [parlamentares] vão dar também algum recurso adicional”, despistou.

O ex-deputado estadual Carlos Neder (PT) lembrou a necessidade de que o movimento acompanhe as discussões para a elaboração do próximo Plano Plurianual na Alesp, para garantir que os recursos públicos sejam destinados de fato a serviços públicos na saúde e na educação – áreas que, assim como as universidades públicas, “estão sob ataque”, definiu.

EXPRESSO ADUSP


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