Lideranças comunitárias, políticas e sindicais participaram de um ato na manhã da última sexta-feira (11/6) para a entrega do manifesto com as “Diretrizes para um projeto popular de recuperação plena do Hospital Universitário da USP”. O documento, fruto das deliberações do 6º Encontro Popular organizado pelo Coletivo Butantã na Luta (CBL), em maio, foi entregue por um dos coordenadores do movimento, Lester Amaral Junior, ao presidente do Conselho Deliberativo do HU (CD-HU), professor Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho, diretor da Faculdade de Medicina da USP. O ato, respeitando o distanciamento social, ocorreu numa área externa, com todas as pessoas usando máscaras, em frente ao prédio da administração do HU, na Cidade Universitária.

“O Encontro Popular é produto de um acúmulo grande que o movimento em defesa do HU, tendo à frente o CBL, vem conduzindo desde 2017, mas que já traz uma experiência anterior, desde 2014, quando infelizmente se iniciou um processo forte de desmonte do hospital”, disse Amaral Junior. “A proposta visa a recuperar de forma plena o HU para toda a região, que tem uma carência grande de leitos.”

O integrante da coordenação do CBL ressaltou ainda que o professor Barros Filho teve “a sensibilidade de ouvir a comunidade” para a constituição do Grupo de Trabalho do HU (GT-HU), integrado também pela Adusp, Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”. “Isso foi importante para que tivéssemos mais informações. Muitas ainda faltam, infelizmente. Não existe democracia sem informação”, completou.

O presidente do CD-HU registrou a “satisfação de receber esse documento”. “Estamos num momento especial no hospital, que é o de discutir um projeto estruturante para o HU e a reforma do Regimento, e ouvir todos os atores e todas as instituições envolvidas é muito importante. O primeiro momento é definir o que queremos e o que esperamos”, disse.

Tarcísio de Barros Filho ressaltou que o HU é uma “plataforma de ensino importante para vários cursos da universidade” e que ao mesmo tempo “possui um papel fundamental no atendimento secundário, especialmente nesta região de São Paulo”. “O hospital acaba pagando um preço porque é o único instrumento de atividade secundária em funcionamento [na região]. Não se pode discutir dissociadamente cada um desses aspectos. Temos que discutir tudo de forma integrada”, considera. Na sua avaliação, o processo de discussão do projeto estruturante deve levar o tempo que for necessário para que se produza um resultado “maduro” e “um novo regimento mais moderno, mais amplo e mais democrático”.

Antes da entrega do documento, que ocorreu no final do ato, representantes de entidades e movimentos também se manifestaram. A professora Michele Schultz Ramos, vice-presidenta da Adusp, enfatizou que o HU não é o único exemplo de desmonte na USP: equipamentos que fornecem serviços de apoio, como as creches e a moradia estudantil, também têm sido alvo de ataques das últimas gestões da Reitoria, sob o pretexto de que seriam órgãos que fazem “assistencialismo” e não prestam atividades-fim, mas atividades-meio.

“O que acontece no HU está dentro de uma política maior alinhada com o processo de privatização da universidade, que está avançando muito nos últimos anos. Estamos vendo avançar outra concepção de universidade que não é a que a defendemos, da universidade pública, gratuita, de qualidade, laica e, principalmente, socialmente referenciada, o que quer dizer que a comunidade tem plena interação com a universidade”, afirmou.

O HU foi pensado a partir dessa intensa participação da comunidade, especialmente levando em conta a formação dos estudantes da área da saúde, lembrou a professora. Michele lamentou ainda que, numa recente apresentação ao GT-HU, a Superintendência do hospital sequer tenha mencionado a comunidade nem o próprio Conselho Deliberativo, instância que pensa as diretrizes do HU.

Victor Vilela Dourado, presidente do Simesp, afirmou que os governos municipal, estadual e federal têm se utilizado da lógica de atacar o Sistema Único de Saúde (SUS), desfinanciar os serviços e “passar a boiada” para avançar com privatizações no setor por meio das Organizações Sociais (OS). “É importante juntarmos a população, os usuários, os trabalhadores e os sindicatos em defesa dos serviços públicos de saúde, que vêm sendo desmontados e atacados há vários anos”, apontou.

A vereadora Luana Alves (PSOL), formada em Psicologia pela USP, ressaltou que, “se não fosse o acúmulo de lutas de coletivos como o CBL com o apoio da vanguarda militante do bairro, provavelmente a situação seria muito pior”. “Tive parte da minha formação no HU, com muito orgulho, e posso dizer que desde os meus tempos de estudante a intenção da direção da USP, infelizmente, é de se livrar do HU”, relatou.

A mobilização é fundamental, defendeu, para que o hospital se mantenha como referência para a formação de profissionais e cumpra seu papel de ensino e atendimento “sendo um centro no qual a comunidade consegue entender a saúde como um bem coletivo”.

Marcelo Aguirre, integrante do CBL e assessor do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), considera que as restrições ao atendimento no HU e a política de desmonte que tem sido operada na USP e no hospital “significam talvez o maior exemplo de retirada de direitos que toda a população do Butantã pode sentir”. “São mais de 500 mil moradores e moradoras que têm a sua história vinculada ao HU e que sentem na pele o que é não ter mais o atendimento que o HU tinha”, afirmou.

Um testemunho dessa vinculação foi dado por Germiniana Alves da Silva, moradora da comunidade 1010, que vem recebendo assistência da Rede de Apoio Popular em Combate ao Coronavírus (RAP-Butantã). “Meus sobrinhos e meu primeiro neto nasceram aqui. Todos sempre cuidaram muito bem de nós, moradores carentes. Não quero que esse ninho da cegonha feche”, resumiu.

Outros parlamentares e representantes de mandatos se manifestaram no ato, como o vereador Celso Giannazi (PSOL), integrantes da Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo, a assessoria da vereadora Juliana Cardoso (PT) e a coordenação municipal do PCdoB, além de servidores do HU e integrantes de movimentos como os comitês em defesa do Centro de Saúde-Escola do Butantã (CSEB) e do Hospital Sorocabana.

Após relatar o histórico do movimento na defesa do HU, o documento do CBL —encaminhado a todos os integrantes do CD-HU —aponta algumas diretrizes defendidas pelo coletivo para que o hospital recupere a capacidade de atendimento que tinha no final de 2013, “ainda que sob novas formas de funcionamento”. Naquele ano, o HU realizava cerca de 16 mil atendimentos por mês, contra menos de 6 mil na atualidade.

O CBL defende que devem ser assegurados recursos para que o Pronto-Socorro adulto e infantil funcione 24 horas para atendimento de urgência e emergência e que haja investimentos na modernização da infraestrutura de equipamentos e de energia.

A relação com o SUS precisa ser revista, postula o movimento, devendo o HU se integrar ao sistema de saúde da região para assegurar de forma efetiva que a maioria dos atendimentos seja de moradores do Butantã —“em outras palavras, o funcionamento do HU no que refere à Central de Regulação não deve retirar o caráter predominante regional do Hospital Universitário”.

O CBL defende ainda a recomposição dos recursos humanos perdidos desde 2013 e a garantia da sustentabilidade financeira do hospital por parte da Reitoria da USP. “É importante ressaltar que as reduções orçamentárias de outras unidades da universidade foram muito inferiores à aplicada ao Hospital Universitário”, aponta o documento. É necessário também resgatar o conceito de plataforma de ensino “a partir da forte ampliação dos atendimentos, da integração com a atenção primária, do estímulo aos projetos de pesquisa de campo em saúde e do aumento do número de preceptores”.

EXPRESSO ADUSP


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