foto: Daniel Garcia

Em 16/9, o Auditório da Geografia sediou o debate intitulado “Em defesa da Universidade Pública”, tendo como convidada a filósofa Marilena Chauí, docente aposentada do Departamento de Filosofia da FFLCH. O evento, parte da “Semana de Mobilização e Luta em Defesa da Carreira Docente”, organizada pela Adusp, discutiu a proposta de uma nova Comissão Permanente de Avaliação ou “Nova CPA”. Confira vídeo em bit.ly/2d6sTHU.

A professora iniciou explicando as origens do projeto neoliberal, esboçado por um grupo de economistas, cientistas políticos e filósofos que se opunham ao Estado de Bem-Estar Social. Tal grupo desenvolveu um projeto econômico e político, que tinha como objetivo estabelecer um Estado forte o suficiente para “quebrar o poder dos sindicatos e movimentos operários, controlar o dinheiro público e cortar drasticamente os encargos sociais e os investimentos na economia, […] um Estado que realizasse uma reforma fiscal para incentivar os investimentos privados e que reduzisse os impostos sobre o capital e as fortunas, aumentando os impostos sobre a renda individual, […] um Estado que se afastasse da regulação da economia”, abolindo o “controle estatal sobre o fluxo financeiro”, através de uma “drástica legislação anti-greve e vasto programa de privatização”.

Dentro desse projeto neoliberal, ciência e tecnologia iriam se tornar forças produtivas, “deixando de ser mero suporte do capital para se converter em agentes de sua acumulação”. Com isso, muda-se a forma de atuação de cientistas e tecnólogos na sociedade contemporânea, transformando-os em “agentes econômicos diretos”, e tornando os capitalistas detentores do “monopólio dos conhecimentos e da informação”.

Para a professora, no Brasil, tal projeto foi “iniciado nos governos de FHC”, e agora, “à revelia das eleições presidenciais de 2014, é retomado pelo governo de Michel Temer, cujo pressuposto ideológico básico é a afirmação de que todos os problemas e malefícios econômicos, sociais e políticos do país decorrem da presença do Estado”, sendo o mercado o “portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem-estar da república”, o que transparece “na substituição do conceito de direitos pelo de serviços, que leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços privados”.

“Contratos”

Neste contexto, os centros de ensino e pesquisa, como as universidades, passam a ser vistos como organizações sociais que prestam serviços ao Estado, celebrando com ele “contratos de gestão”. “Essa definição da universidade é o princípio que guia as ações propostas pela Reitoria da USP, que confere um sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária, e introduz no léxico universitário termos como qualidade e avaliação e flexibilização da universidade”, reitera Marilena. E quais sentidos seriam esses termos para a atual gestão?

No que concerne à autonomia universitária, a Reitoria a enxerga como uma oportunidade de realizar parcerias com empresas privadas, a fim de “cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão”. A autonomia universitária se reduziria “ao gerenciamento empresarial da instituição, e a responsa­bi­lidade do Estado é a mesma que tem, por exemplo, com as empresas encarregadas do recolhimento do lixo”.

A flexibilização seria o “corolário” da autonomia e significaria “eliminar o regime único, o concurso público e a dedicação exclusiva, substituindo-os por contra­tos flexíveis, temporários e precários”; bem como “separar docência e pesquisa, deixando a primeira na universidade e deslocando a segunda para centros autônomos de pesquisa”.

A qualidade seria medida pela produtividade e seus critérios seriam “quantidade, tempo e custo”, que orientariam os contratos de gestão. “Nos documentos da Reitoria”, sustenta Marilena Chauí, “a docência não entra na medida da produtividade e, portanto, não faz parte da qualidade universitária, o que, aliás, justifica a proposta de mudanças na carreira através de um vocabulário vago e impreciso, qual seja, ‘segundo as normas que regem a atividade docente’, sem que saibamos que normas são essas, ou seja, não há definição de critérios para ‘medir’ a qualidade da docência”.

“Prestar contas”

A professora passou a examinar o termo avaliação em profundidade, reconhecendo a necessidade da avaliação das atividades universitárias para “orientar a política universitária do ponto de vista de um saber da universidade sobre si mesma, de seu modo de inserção na sociedade e significado de seu trabalho”; “orientar a análise técnica dos problemas operacionais e financeiros, suprir carências, atender demandas, quebrar bolsões de privilégios e de inoperância”; “prestar contas devidas aos cidadãos”.

Porém, a avaliação proposta pela Reitoria, segundo a docente, “não cumpre nenhuma dessas três finalidades”, porque a universidade “está sendo forçada a renunciar a colocar-se a si mesma como objeto de investigação, criando métodos próprios que permitam elaborar técnicas específicas de auto-avaliação”. Em vez disso, “o padrão organizacional da pesquisa e dos critérios que a avaliam pela produtividade quantitativa, pela competitividade, pela eficiência e pelo sucesso é a aceitação acrítica e perigosa de critérios não acadêmicos e sociais”.

Geralmente, acrescentou, “os critérios empregados para avaliar a chamada ‘excelência acadêmica’ costumam ser identificados aos indicadores usados para medi-la, pois por ‘qualidade acadêmica’ costuma-se entender o número de teses e de publicações, estágios no estrangeiro e participação em congressos, numa visão simplista da pesquisa, e deixando na sombra a docência, seus problemas e sua qualidade própria, uma vez que o ensino, como observamos, é, agora, considerado tarefa menor e de adestramento, sem qualquer papel formador”.

Marilena Chauí julga que a avaliação docente “despoja a universidade de sua institucionalidade própria”, pois “nada é conseguido como auto-conhecimento da instituição”, que se reduz “a funções operacionais”, nas quais “o resultado avaliativo aparece como um catálogo de atividades e publicações acompanhadas de inexplicados conceitos classificatórios que passa a orientar a alocação de recursos, vagas, concursos etc.”. Além disso, “a prestação de contas à sociedade não se cumpre porque tanto orçamentos quanto execuções orçamentárias são apresentados como números agregados, sem explicitação de critérios, prioridades, objetivos e finalidades e sem explicitar publicamente os convênios privados: montante dos recursos, destinação, prazos das pesquisas, usos dos resultados etc”.

Informativo nº 424

EXPRESSO ADUSP


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