A Secretaria Geral da USP acaba de emitir nova circular, SG/Co/39, de 3/7/2020, na qual comunica aos membros do Conselho Universitário que o documento intitulado “FAQ sobre a Lei Complementar (LC) Nº 173/2020”, que traz orientações jurídicas sobre a aplicação dessa norma federal na universidade foi atualizado pela Procuradoria Geral da USP (PG-USP) em 30/6. Porém, ao que parece a atualização limita-se ao acréscimo de novos tópicos ao documento. No tocante à questão dos concursos de livre-docência e da consequente progressão de Professor Doutor para Professor Associado (item 9 do documento), a interpretação da PG-USP segue idêntica à inicial: a de que, “pelo que comporta de aumento de despesa”, tal progressão encontra-se “vedada temporariamente pela legislação”, como já relatado em matéria anterior.
Ocorre que a posição da PG-USP choca-se com a de vários órgãos federais, inclusive a de instituições federais de ensino superior que se manifestaram publicamente sobre essa questão, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Federal do Cariri (UFCA). Tudo indica ser mais um daqueles casos em que a USP é “mais realista que o rei”, uma vez que até organismos ligados ao Ministério da Economia e à Advocacia Geral da União (AGU) apresentam entendimento da questão oposto ao adotado pela PG-USP. E são posições externadas há um mês, e que portanto deveriam ser do conhecimento dos procuradores da USP.
Por exemplo: já em 8/6 a Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas da Unifesp comunicou aos funcionários técnico-administrativos (TAEs) e docentes da instituição que, “após obter os esclarecimento jurídicos necessários quanto às proibições previstas no Artigo 8º, incisos I e IX da Lei Complementar 173, de 27 de maio de 2020, informa com satisfação que as progressões funcionais, mesmo que decorrentes do fator tempo, não estão abrangidas pela proibição do Artigo 8°, incisos I e IX da Lei Complementar 173”. Desse modo, completa o comunicado, “todos os processos relacionados à progressão funcional dos(as) servidores(as) docentes (Lei 12.772, de 2012) e TAEs (Lei 11.091, de 2005) seguirão seu fluxo normal e continuarão sendo analisados e operacionalizados pelas instâncias competentes da Unifesp”.
Também a UFCA adotou esse entendimento: “a nova Lei NÃO afeta as progressões e promoções dos servidores, técnicos e docentes, pois o que foi proibido foi a alteração dos planos de cargos e carreiras que implicassem em aumento de despesa”. Em resumo: “As normas atuais continuam vigentes e os processos devem continuar normalmente” (destaques no original). Este é o teor de comunicado da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da instituição, datado de 4/6/2020.
A interpretação adotada pela Unifesp e pela UFCA coincide com a do Desen-SGP, órgão do Ministério da Economia, divulgada pelo Informativo Adusp em matéria recente. Emitida pelo Desen-SGP em 1º/6, a Nota Técnica SEI 20.581/2020 considera que ao analisar-se conjuntamente o disposto no inciso I e no inciso IX do artigo 8º da LC 173, “entende-se que as progressões e promoções, por exemplo, não se enquadram na vedação apresentada em tais dispositivos, uma vez que tratam-se de formas de desenvolvimento nas diversas carreiras amparadas em leis anteriores e que são concedidas a partir de critérios estabelecidos em regulamentos específicos que envolvem, além do transcurso de tempo, resultado satisfatório em processo de avaliação de desempenho e em obtenção de títulos acadêmicos” (destaques nossos). E reforça: “Conclui-se, portanto, que para essa situação, tal vedação não se aplica”.
Outro exemplo forte é a Nota Informativa 21/2020 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. Emitida já em 29/5, é categórica quanto a essa questão: “As restrições dos incisos I e IX do caput do artigo 8º não geram propriamente uma economia (redução de despesas), vez que atuam apenas preventivamente. Não impedem, portanto, que reajustes já concedidos continuem a ser implementados. Também não vedam a progressão funcional na carreira com apoio em legislação pretérita, que é o principal fator do crescimento vegetativo da folha. Por outro lado, as proibições impedem que as despesas continuem crescendo com a concessão de novos reajustes, o que seria teoricamente pouco provável face à crise financeira de todos os entes” (destaques nossos).
Explica, adicionalmente, a Nota Informativa: “No caso da União, em especial, os reajustes já não estavam autorizados pela LDO, além do que a existência de teto para as despesas primárias previsto na Emenda Constitucional 95 (Novo Regime Fiscal) já dificultava a expansão dessas despesas. Assim, reajustes concedidos de forma parcelada continuarão a ser implementados e as progressões continuarão a ocorrer. Vale lembrar ainda que a licença-prêmio e a aquisição de anuênios já foram extintos pela legislação federal” (destaques nossos).
A Procuradoria Federal junto à Universidade Federal de Goiás (UFG) manifesta, na Nota Técnica 19/2020, de 5/6, total concordância com a posição manifestada pelos consultores jurídicos da Câmara dos Deputados. A Procuradoria Federal integra a Procuradoria Geral Federal, órgão da Advocacia Geral da União (AGU). No seu entender, o artigo 8º da LC 173 “trata, em quase sua integralidade, de proibições dirigidas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, na condição de entes federativos, e como limitador da permissividade introduzida no art. 65 da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, quanto à não observância da Regra de Ouro, ou seja, do limite de gastos públicos”. Nesse sentido, continua, “a norma traz vedação dirigida ao legislador ordinário e as chefes de poderes, e não ao administrador público”, sendo possível concluir, a partir dessas premissas, “que não há qualquer vedação para a concessão de promoções, progressões, retribuição por titulação ou qualquer outro benefício já previsto na legislação ordinária vigente no momento da publicação da LC 173”.

Além de atacar funcionalismo público, LC 173/2020 é inconstitucional

A Assessoria Jurídica Nacional do Andes-Sindicato Nacional reforça as considerações do Desen-SGP e outros órgãos públicos: “Uma das preocupações que mais emerge à categoria é aquela relativa ao direito desses servidores poderem ou não realizar os processos de promoção e progressão na carreira. Quando o legislador quis proibir determinado direito do servidor, ele o fez expressamente”, diz sua análise. “Assim, não há dúvidas de que está proibida até 31/12/2021 a concessão de reajuste a todos os servidores públicos. Também não se discute a presença evidente da proibição da realização de concurso público. Porém, quando da análise sobre o direito de progressão ou promoção, não há qualquer ressalva expressa que evidencie a proibição de análise de desempenho dos servidores ou de efetivação de seu encaminhamento na carreira. Logo, se naquilo que ele quis proibir, o legislador o fez de maneira expressa, entende-se que as demais questões, inclusive o direito às progressões e promoções, não estão previstas no texto da lei”.
Essa ressalva, porém, não basta para mitigar o impacto deletério da LC 173/2020 sobre as carreiras do funcionalismo público, como assinala a Assessoria Jurídica Nacional do Andes-SN: “As medidas relativas à proibição de admissão ou contratação de pessoal, criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, realização de concurso público, concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, além de vedação de contabilização desse período como aquisitivo na concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio ou mecanismos equivalentes que promovam aumento de despesa com pessoal, são algumas das absurdas previsões da referida lei”.
De acordo com a análise, a LC 173/2020, elaborada a pretexto de combater a Covid-19, pode esconder interesses de natureza eleitoral. “Para além das latentes inconstitucionalidades, fica claro que a medida tem a intenção de congelar a vida e os vencimentos dos servidores públicos que estão em atividade, sob a justificativa da pandemia do coronavírus. O que se percebe é que a pauta de ajuste fiscal às custas dos servidores e empregados públicos permanece latente, mesmo diante da maior situação de risco já enfrentada pela população mundial. A despeito da absoluta ausência de dados técnicos que sinalizem que as medidas restritivas deveriam durar até 31/12/2021, o arrocho fiscal promovido pela LC 173/2020 parece funcionar mais como uma medida preparatória às eleições de 2022”.
Parecer da LBS Advogados, elaborado a pedido da Adunicamp, considera igualmente que a LC 173/2020 “viola a autonomia dos Estados, Municípios e Distrito Federal, uma vez que, sem considerar o Poder e o ente federado, a LC 173/2020 aplica seus efeitos a todos os servidores públicos do território nacional”. Isso porque o artigo 18 da Constituição Federal, que trata do princípio da autonomia federativa, preconiza: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

EXPRESSO ADUSP


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