Por meio de comunicado encaminhado ao corpo docente da USP no dia 16/6, a Câmara de Atividades Docentes (CAD) anunciou a abertura de “uma nova etapa de avaliação das atividades dos docentes”, desta vez referente ao período de 2018 a 2022. Assinam o comunicado a presidente da Comissão Permanente de Avaliação (CPA), vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, e o presidente da CAD, Marcílio Alves.

Marcílio acumula o cargo de diretor-executivo da Fundação Universidade de São Paulo (FUSP, privada), além de ser também representante eleito dos professores titulares no Conselho Universitário (Co). O exercício simultâneo de cargos pode ensejar eventual conflito de interesses seja no processo de avaliação, seja nas outras frentes de atuação.

De acordo com o comunicado da CAD, participarão da nova etapa de avaliação todos os e as docentes que apresentaram Projeto Acadêmico Docente (codificado pela inventiva sigla “PrADO”) no processo de 2018/2019 e não foram contemplados(as) na progressão horizontal ocorrida em 2021, ou nas progressões verticais homologadas até 25 de agosto de 2023.

Portanto, diz o comunicado em linguagem direta, “se você apresentou seu PrADO na última avaliação e não obteve progressão na carreira, não obteve sua Livre Docência ou, ainda, era Professor(a) Titular à época da submissão do PrADO, esse é o momento de submeter o seu Relatório de Acompanhamento Docente (RAD)”.

Por outro lado, explica o comunicado, se houve progressão na carreira de alguma das formas descritas no texto, desde a submissão do respectivo “PrADO” em 2018/2019, o(a) docente não está apto(a) a participar do presente processo. É o caso de quem progrediu horizontalmente de Professor Doutor 1 para Professor Doutor 2; ou de Professor Associado 1 para Professor Associado 2 ou 3; ou de Professor Associado 2 para 3.

Ou ainda, por meio de progressão vertical (concurso), avançou de Professor Doutor 1 para Professor Associado 1 ou 2; e de Professor Associado 1, 2 ou 3 para Professor Titular. Nestes casos, a submissão do “PrADO” só deverá ocorrer em 2024, em período a ser definido.

Os docentes que participarão do presente processo de avaliação devem submeter seu Relatório de Acompanhamento Docente (RAD) entre 26/6/2023 e 25/8/2023, por meio do link https://uspdigital.usp.br/cpa/

O comunicado da CAD adverte, ao final, que a ciranda da avaliação é interminável na USP: “Destacamos que o acompanhamento e avaliação das atividades docentes é um processo qualitativo contínuo e independente da progressão horizontal na carreira docente”. Faltou mencionar apenas que se trata de uma avalição contábil, portanto de espírito positivista, nos moldes típicos da concepção produtivista de ciência.

“A USP é hoje uma universidade de massas e não popular, de privilégio racial e de classe e não de ‘mérito’. Ainda assim, o seu crescimento exige dispositivos de controle. Acreditamos que servimos a sistemas informatizados, mas essas avaliações são resultantes de relações de poder”, comentou, a pedido do Informativo Adusp, o professor Lincoln Ferreira Secco, do Departamento de História da FFLCH.

“Pessoas reais criam desde as agências de pesquisa às métricas supostamente objetivas. Não são. Na carreira profissional todas as pessoas deveriam progredir por experiência e por critérios acordados coletivamente. O que é o mérito? Uma tabulação feita no Excel? E quem avalia o avaliador?”, questiona Secco.

“Preocupação puramente burocrática e procedimental”, diz docente da FZEA

No entender do professor Sérgio Paulo Amaral Souto, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), a “nova etapa de avaliação” do corpo docente aprofunda os vícios e tendências que caracterizam os processos decisórios da USP nas últimas décadas.

“No sucinto material disponibilizado para consulta dos docentes verifica-se uma preocupação puramente burocrática e procedimental. Não encontramos balizadores qualitativos para avaliação, orientações gerais, exposição de motivos, avaliação da atual situação da Universidade, ou a contextualização da conjuntura vivida na sociedade, na ciência e no ensino nos últimos 5 anos, lembrando que vivemos um período excepcional de grave pandemia”, disse Souto ao Informativo Adusp. “As ponderações qualitativas que deveriam servir como base para a avaliação, se existem, não estão publicizadas, caracterizando mais uma vez a total falta de transparência no planejamento e na execução dos processos na Universidade”.

Chamam atenção, a seu ver, “o descompromisso e a incoerência para com o que foi discutido quando da aprovação do processo de avaliação Institucional e Docente, por vezes até mesmo com o que está formalmente documentado”. Numa mirada retrospectiva, analisa, “nos parece um ‘vale tudo’ para aprovação das modificações estatutárias e regimentais, as discussões, acordos e compromissos são logo esquecidos e a interpretação enviesada da letra fria da normativa prevalece”. Ele destaca três pontos principais, dentre outros, que, segundo julga, se opõem ao que foi pactuado durante as discussões de aprovação dos processos avaliativos na USP.

“É evidente da Tabela 1 – Procedimento Operacional Padrão que o papel dos Departamentos será secundário no processo. O processo é iniciado pelas Direções/Congregações das Unidades. Os pareceres sobre as atividades docentes não serão de responsabilidade dos Departamentos. Os conselhos departamentais opinarão sobre pareceres elaborados externamente e encaminharão para decisão da Congregação ‘ouvidos os Departamentos’ – segundo texto da Tabela 2 – Cronograma de Acompanhamento das Atividades Docentes”. Depreende-se das tabelas 1 e 2 “a cada etapa um maior centralismo e opacidade, resultante da total desconfiança e ausência de autonomia das instâncias departamentais e das Unidades”.

Um segundo ponto é que os textos encaminhados e os procedimentos adotados trazem implícita a consideração de que as progressões horizontais e verticais são avaliações, o que se opõe à ideia central de que estas progressões seriam decorrentes do processo de avaliação docente. “Isso acarretará desigualdade no processo de avaliação dos docentes. Vale a pena ressaltar que o processo de progressão teve um fluxograma bastante distinto daquele que está proposto para esta etapa, assim como os concursos de progressão vertical na carreira têm critérios e procedimentos próprios”.

Por fim, destaca o docente da FZEA, está prevista no fluxograma do processo avaliativo a apresentação de Protocolo de Compromissos em flagrante oposição ao que está definido nas Disposições Transitórias (capítulo VII) do Regimento da CPA, a qual se refere a uma primeira avaliação orientativa: “Artigo 3º – O primeiro ciclo avaliativo realizado sob a vigência desta Regimento será voltado à implantação das novas estruturas e sistemática de avaliação, com caráter predominantemente orientativo”.

“Nova etapa” se inicia à revelia de GT que reflete sobre a avaliação na USP

O anúncio da “nova etapa de avaliação” dá-se, não custa lembrar, em paralelo às atividades de um Grupo de Trabalho criado pela atual gestão reitoral com a finalidade de refletir sobre a pertinência ou não da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT), mas que acabou incumbido de reavaliar todo o sistema de avaliação docente na USP. E dá-se, ainda, depois que a vice-reitora admitiu, em reunião do Co realizada em março último, que o processo de avaliação na universidade “virou uma confusão geral”.

Seria mais prudente definir o processo que se inicia como, no máximo, aferição de desempenho e não avaliação. Mesmo porque, numa universidade em que há várias(os) especialistas em avaliação, paradoxalmente a Reitoria não consegue instituir sistemas de avaliação democráticos e isentos. Sem contar o caráter competitivo e gerencial dos processos em voga, cujo objetivo não é avaliar, mas sim perseguir e descaracterizar o trabalho acadêmico.

A Adusp sempre se opôs enfaticamente à avaliação centralizada e levada a cabo por pequenas comissões dotadas de grande poder, constituídas majoritariamente, quando não exclusivamente, por pessoas de confiança da Reitoria, como é o caso da CPA e da CERT.

Não custa lembrar que, dotada de autorização expressa da Assembleia Geral, a Diretoria da Adusp protocolou recentemente ação contra a CERT, pedindo fim do assédio moral coletivo praticado contra o corpo docente da universidade por aquela comissão, que sempre contou com o respaldo da Reitoria para praticar toda sorte de abusos, inclusive o rebaixamento de jornadas e salários.

Da mesma forma, a Adusp tem apontado nas suas publicações, bem como nas deliberações de suas instâncias, as distorções presentes nos processos de avaliação inspirados, cada vez mais, nas métricas e lógicas empresariais típicas do produtivismo acadêmico.

Exemplo disso é o caderno Avaliar para Involuir (2018), contraponto à cartilha Avaliar para Evoluir, editada pela Reitoria. Trata-se de uma análise sintética do “novo processo de avaliação” instituído com a reforma de 2016, baseado no Estatuto do Docente e no novo Regimento da CPA.

EXPRESSO ADUSP


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